30 anos da adesão de Portugal à CEE. A sociedade portuguesa em 1985

Em 1985 a história de Portugal ficou marcada pela adesão à Comunidade Económica Europeia – agora União Europeia. Recorde aqui o que, há 30 anos, marcava a sociedade portuguesa. E as sementes do que marcaria anos depois.

O terrorismo no banco dos réus

Apesar de a organização ter  sido desmantelada um ano antes na Operação Orion, que prendeu os principais dirigentes e Otelo Saraiva de Carvalho à cabeça, as Forças Populares 25 de Abril (FP-25) ainda faziam estragos em 1985. A 23 de Março, na FIL de Lisboa, assassinaram Alexandre Souto, um empresário da Marinha Grande, e cinco meses depois José Barradas, um dos ‘arrependidos’ das FP.

O julgamento pelo crime de associação criminosa começaria a 7 de Outubro, no Tribunal de Monsanto (Lisboa), ao lado da antiga cadeia, construído de propósito para garantir a segurança num caso inédito de terrorismo e com dezenas de arguidos (às FP são atribuídos, até 1987, 17 homicídios, 66 atentados à bomba e 99 assaltos a bancos). «Prender Otelo era a sensação de que se estava a prender um mito», como recordou anos mais tarde Martinho de Almeida Cruz, o juiz que assinou os mandados de captura propostos pela procuradora Cândida Almeida.

Passados 30 anos, o país está mais preocupado com os crimes de corrupção e vê um outro ‘mito’ passar pela prisão: o ex-primeiro-ministro socialista José Sócrates, suspeito de ter recebido ‘luvas’ nos seus dois mandatos (2005-2011). Seguem-se atentamente os passos do procurador Rosário Teixeira, do juiz Carlos Alexandre e do advogado de Sócrates: João Araújo, que em 1985 defendeu dois réus das FP.

A.P.A.

O PGR que mudou o Ministério Público

Sentado no gabinete principal do antigo palácio dos Duques de Palmela, em Lisboa, sede da Procuradoria-geral da República (PGR), o juiz José Narciso da Cunha Rodrigues, 45 anos, comandava havia menos de um ano o Ministério Público (MP), uma magistratura igualmente jovem, nascida com a Constituição de 1976. Com ele, que esteve no cargo até 2000, o MP ganhou rosto e afirmou-se, sobretudo com as novas leis que lhe atribuíram a iniciativa penal e em cuja elaboração participou activamente. Foi no seu mandato que surgiram os primeiros casos de crimes de colarinho branco  com repercussão política (Costa Freire/Leonor Beleza, Carlos Melancia e Fundo Social Europeu).

O rosto do MP é hoje Joana Marques Vidal, a primeira mulher a chegar a um dos lugares de topo da Justiça, reflexo da força feminina nas magistraturas, onde o número de mulheres é hoje igual (no MP) ou  mesmo ultrapassa o dos homens (53% dos juízes). Por ironia, a actual PGR é filha do juiz José Marques Vidal, que em 1984 foi preterido pelo governo de Bloco Central, que escolheu Cunha Rodrigues para o lugar. Apesar dos escassos recursos humanos, lidera um aparelho incomensuravelmente mais bem apetrechado do que Cunha Rodrigues alguma vez terá pensado.

A.P.A.

 

Numerus clausus deixam milhares fora da universidade

A ocupação das instalações da Universidade Livre, a 22 de Março de 1985, começou por ser um protesto de alunos reclamando melhores condições de ensino. Mas a desintegração desta universidade, a primeira privada à excepção da Católica, desencadeou o surgimento de muitas outras, cujo «boom» teria o seu auge na década seguinte. Autónoma, Lusíada, Portucalense, Moderna, Independente cresceram como cerejas – muitas delas motivadas pela gestão conflituosa entre os seus responsáveis – e à conta dos alunos que não conseguiam aceder ao ensino superior público devido à imposição de numerus clausus, que deixavam de fora milhares de candidatos. Trinta anos depois, a gestão de vagas continua a dar que falar, em especial, em Medicina, onde as queixas apontam agora excesso de oferta. Os candidatos ao superior têm vindo a cair, muitas privadas fecharam, e as instituições fazem tudo para captar alunos.

R. C.

A estrada mais temida do país

Foi neste ano que arrancou a construção de uma das estradas mais perigosas do país. O traçado actual do IC19, radial da cidade de Lisboa que faz a ligação com Sintra ao longo de cerca de 16 quilómetros, só seria concluído uma década depois. Nessa altura, a rede viária era uma paisagem deserta: as estradas nacionais desafiavam todas as regras de segurança e despontavam apenas alguns troços da A1, da A2 e da A3.

A adesão à CEE e a entrada de fundos comunitários permitiram o alargamento da rede viária que se tornou hoje desmesurada: mais de dois mil quilómetros de auto-estradas, incluindo corredores transnacionais, como a A25 (que liga Aveiro a Vilar Formoso), colocam Portugal entre os países da União Europeia com mais auto-estradas por metro quadrado, à frente da Holanda e da Bélgica.

S.G.

De vírus assustador a doença crónica

O mistério em torno da doença que matou António Variações, em Junho de 1984, era ainda tema em destaque na sociedade portuguesa, quando em 1985 surgiu o primeiro caso notificado de Síndrome de Imonudeficiência no País. Antes a doença já tinha sido diagnosticada nos hospitais nacionais – onze casos entre 1983 e 1984 – mas não era ‘oficial’. Conhecida como sida, tornou-se num dos maiores medos do ser humano, foi associada à homossexualidade e vista como uma condenação à morte. «Na época não conhecíamos o ciclo reprodutivo. Agora que o conhecemos, a Sida tornou-se numa doença crónica», conta a cientista Odete Ferreira, que em 1985 colocou Portugal no centro da investigação ao ser divulgada um outro vírus, associado à sida, o HIV2, por si descoberto. «Foi a minha curiosidade que me fez querer saber mais», recorda hoje, 30 anos depois. Desde então, cerca de 50 mil portugueses foram diagnosticados com a doença, oito mil morreram, aparecem dezenas de medicamentos e em Fevereiro deste ano, investigadores dos EUA descobriram um composto que pode ajudar a criar uma vacina anti-sida.

C.G.

 

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1985 na política. Na economia. Na sociedade. Na cultura. No desporto. No mundo.