Resume também um problema mais geral da política europeia: a dificuldade dos conceitos e conteúdos ideológicos acompanharem a evolução da realidade político-social, a nível nacional e global. E de enfrentarem as consequências da História, sobretudo da História do século XX e do seu desfecho.
À esquerda, enquanto os partidos comunistas clássicos, de obediência soviética, sofreram o ónus de serem filiais do 'socialismo real' e das suas cargas tirânicas e fracassos económicos durante a Guerra Fria e depois do colapso da URSS, o 'esquerdismo' escapou a esse paralelo. Nascido nos tempos do Maio de 68 parisiense e do radicalismo pacifista norte-americano do campus californiano, o 'esquerdismo' continuou com os revivalismos trotskistas e maoístas e reconverteu-se nos movimentos de 'correcção política'. E apesar dos seus mestres e inspiradores deixarem muito a desejar em termos humanitários – do próprio Trotsky a Pol Pot – nunca ninguém lhes tocou.
A crise económico-social, vinda também da crise financeira e bancária de 2008, as responsabilidades da 'ditadura' Berlim-BCE nos países da eurozona e o alinhamento dos partidos socialistas da Europa Ocidental com as terapias da austeridade, foram o oxigénio destes movimentos, que encontraram no novo 'doente da Europa' – a Grécia – o campo ideal de acção.
A corrupção dos partidos do sistema, com os casos mais gritantes no PP e no PSOE, e a crise da unidade espanhola perante o nacionalismo catalão tornam a Espanha o hospedeiro ideal para a doença 'esquerdista'. Que a Espanha já está contaminada, viu-se agora nas eleições autonómicas.
Nas reivindicações misturam-se factores ideológicos tradicionalmente opostos. Assim, na Grécia, o Syriza ergue a bandeira nacionalista popular contra o Diktat dos teutónicos que o Governo de Atenas associa aos ocupantes nazis da II Guerra. Em Espanha, o Podemos é sobretudo utópico e populista: reivindica a tradição de um socialismo e de um anarquismo de base que volta a olhar para a propriedade como um roubo e não quer saber de macroeconomia nem de dívida pública.
Em Portugal, o narcisismo dos caudilhos candidatos a esta fatia do bolo eleitoral e a continuidade do PCP evitaram o fenómeno. Também, ça va sans dire, por causa de um cepticismo e sentido da medida de país de brandos costumes que tocam a quase toda a gente – e também aos tradicionais eleitores do PS.