A atmosfera tornou-se praticamente irrespirável nos encontros negociais enquanto uma forte animosidade pessoal já prevalece sobre os temas em debate, que cada qual interpreta de forma radicalmente diversa do que pretende o interlocutor. É o caso do habitualmente cordato Jean-Claude Juncker que, depois de ter tentado mostrar-se afectuoso com Tsipras, o acusa agora, em tom muito zangado, de deturpar o sentido das propostas veiculadas pela Comissão Europeia.
A verdade, porém, é que há aqui, desde o princípio, um equívoco irremediável, um caso típico de lost in translation que nenhuma subtileza semântica fará superar: o que Juncker pretende que Tsipras entenda – ou seja, que as exigências iniciais da Comissão têm sido substancialmente suavizadas – é interpretado pelo primeiro-ministro grego como um sofisma provocatório. E, de facto, atendendo ao conflito de expectativas de cada uma das partes, parece efectivamente impossível que os termos da negociação possam resultar num acordo.
Nestas condições, resta aos gregos persistir na estratégia de esticar a corda até ao limite, ou seja, até pelo menos ao Conselho Europeu de 25 e 26 de Junho, poucos dias antes de a Grécia ter de reembolsar 1,6 mil milhões de euros ao FMI. Se isso não acontecer, a Grécia entrará quase inevitavelmente em bancarrota, com as imprevisíveis consequências que isso provocará na Europa e fora dela.
Já vimos que não são apenas os europeus que estão profundamente inquietos com os efeitos desse abalo sísmico. Do outro lado do Atlântico, os avisos de alarme multiplicam-se. Daí a pressa em antecipar um plano de emergência visando o controlo do movimento de capitais na Grécia – a exemplo do que sucedeu em Chipre – para conter danos maiores.
Só que o Governo grego não parece estar pelos ajustes e, em desespero de causa, aposta num acordo de última hora que satisfaça as suas reivindicações de princípio: evitar que o país fique refém, por tempos infindos, do espartilho da austeridade e de uma dívida que, nas condições actuais, tenderá a agravar-se até às calendas. Coincidência curiosa: numa visita esta semana a Atenas, o chanceler austríaco, Werner Faymann, afirmou estar em desacordo com as medidas propostas pelos credores que não deviam «fazer aumentar o desemprego e a pobreza».
Vive-se em plena esquizofrenia que afecta todos, a começar por uma instituição já atingida há longo tempo pela doença: o Fundo Monetário Internacional. Ainda esta semana, o FMI publicou um estudo onde considera que o crescimento económico mundial está a ser prejudicado pelo agravamento das desigualdades.
Segundo o documento, «a flexibilidade do mercado de trabalho beneficia os ricos e reduz o preço de negociação dos trabalhadores de mais baixos rendimentos». Além disso, o «papel redistributivo da política fiscal pode ser reforçado através de uma maior importância para os impostos sobre a fortuna e a propriedade, de uma tributação mais progressiva dos rendimentos, da redução das oportunidades para a fuga aos impostos, de uma melhor escolha dos benefícios sociais».
Ou seja: é o próprio FMI que diz uma coisa e faz o contrário, contestando as suas próprias receitas nos países intervencionados, como Portugal, onde ainda recentemente defendia a flexibilidade do mercado de trabalho no sentido oposto à filosofia do relatório citado. Como é que o FMI não contratou ainda uma equipa de psiquiatras reputados para a avaliar os motivos da sua esquizofrenia?
Mas o FMI terá ido mais longe, porventura, no caso da Grécia: segundo o próprio Tsipras, o FMI «tomou abertamente uma posição de apoio à reestruturação da dívida, enquanto os outros insistem em medidas duras e deixaram de lado a questão da reestruturação». Aparentemente, o chefe do Governo estaria a apresentar o FMI como exemplo positivo às instituições europeias. Desenganem-se.
Numa reunião com deputados e ministros do Syriza, Tsipras acusou o FMI de responsabilidade «criminal» e o BCE de contribuir para a «asfixia financeira» do país. A esquizofrenia é contagiosa e a crise grega mostra que ninguém consegue escapar-lhe. Uma coisa parece certa: todos pagarão por isso.