Dois anos depois, no Mundial da Alemanha, também nos quartos-de-final, também frente à Inglaterra, voltou a defender três remates (agora com luvas) no desempate por grandes-penalidades.
Mas nessa altura, já Ricardo Pereira guardava um ‘segredo’. Tinha dado o seu primeiro shot de golfe. “Foi um pouco antes de irmos para o Mundial da Alemanha”, recorda. O “professor” António Dantas, profissional da Quinta do Peru, onde Ricardo mora, há muito que o desafiava para experimentar.
“Com o futebol eu tinha muito pouco tempo livre, além do mais que – confesso – olhava para o golfe como um jogo aborrecido.”
Agora, garante, só tenho pena de não ter começado mais cedo. “É como uma droga, no bom sentido. Viciante e muito aliciante, porque quanto mais jogamos, mais dificuldades enfrentamos.”
Dono de um respeitável handicap 3, Ricardo Pereira venceu muitos torneios amadores no ano passado, mas essas vitórias não o deslumbram. “É bom ganhar, claro. Mas o meu objectivo principal não é esse, mas sim ser o melhor jogador possível.”
“Esta sempre foi a minha postura no futebol e é também no golfe. Ser o melhor possível. Foi assim que me ensinaram, e é isso que eu faço, porque só assim estou a ser honesto comigo e com o jogo”, explica, criticando aqueles jogadores que ‘trabalham’ o handicap só para ganhar torneios. “Ganhar sim, mas com handicap baixo.”
Por isso, o objectivo é chegar ao handicap 0. “Já fiz o ‘Ability Test’ para profissional de jogo e passei, mas nos meus horizontes, pelo menos tão cedo, não tenciono abdicar do estatuto de amador”.
O “respeito” pelos profissionais é grande, mas ser amador tem aquele “encanto”, aquele “prazer do convívio”, as “amizades que se constrói”. “Os jogos por equipa, os pequenos prémios especiais, que tanto significado têm…”
Tudo completamente diferente do futebol, a quem dedicou vinte e tal anos. “É totalmente diferente do que fiz toda a minha vida, tirando a concentração. Tanto na baliza como no campo de golfe, se não estiveres focado, concentrado, não vais conseguir.”
E o golfe ajudou-o na parte final da carreira. “Foi muito importante para manter a concentração, além de que é um desporto que ajuda também em termos sociais e profissionais”, sublinha o ex-guarda-redes de clubes como Sporting, Boavista e Bétis.
“Da minha geração, há vários ex-futebolistas a jogar golfe. O Figo, o Rui Jorge, o Paulo Sousa e sei também que o Nuno Valente está a começar a jogar.” Mesmo assim são poucos. Quando Ricardo defendeu a baliza do Leicester City, em Inglaterra, eram muitos a jogar. “Éramos uns 25 no balneário e, desses, 20 jogavam golfe”, recorda, lamentando não ter mais ex-colegas nos fairways.
“É um jogo compatível com qualquer actividade profissional. Jogas com calma, andas a pé, e ao fim de duas ou três horas aquele problema que tinhas já parece mais fácil de resolver”, diz o ex-guarda-redes, que se retirou no ano passado, depois de 79 internacionalizações por Portugal e vários títulos ao serviço do Boavista e do Sporting.
Um jogo para todos, jogas sózinho, acompanhado, contra o campo ou contra o teu handicap, para todas as idades, para a família… “A minha jogava comigo, mas agora com as crianças tem passado mais tempo em casa para eu poder jogar. Mas um dia, quando os filhos fugirem e já não quiserem saber de nós, vamos jogar juntos.”
E o futebol? “É óbvio que sinto alguma falta. Foram muitos anos, mas o golfe tem-me ajudado a atenuar esse sentimento. Vou aproveitar para fazer aquelas coisas que não pude por falta de tempo.”
Sózinho. Acompanhado. Ricardo Santos continua a pisar os relvados. Agora só com uma luva. Ou sem ela.
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Artigo escrito por Márcio Berenguer ao abrigo da parceria entre a Revista GOLFE Portugal & Islands com o Jornal SOL.