Miguel Franco de Sousa “a EGA, deu-me uma visão alargada do golfe europeu”

Há cerca de 12 anos a trabalhar na Federação Portuguesa de Golfe (FPG), onde entrou para integrar o projeto Pequim 2008, um plano estratégico para as selecções nacionais, trazia consigo um curso de gestão de campos de golfe tirado nos EUA e alguns anos de experiência como director de um campo.

Miguel Franco de Sousa “a EGA, deu-me uma visão alargada do golfe europeu”

Foi Director Técnico Nacional, esteve envolvido na candidatura de Portugal à Ryder Cup 2018, vivenciou os títulos internacionais de alguns jovens portugueses, capitaneou selecções nacionais em Campeonatos da Europa e do Mundo, contribuiu para o desenvolvimento da Federação Portuguesa de Golfe (FPG), e acompanhou o processo de construção do Campo no Jamor.

Integrou o Championship Committee na European Golf Association (EGA), e é o actual Capitão da Selecção da Europa Continental no prestigiado Jacques Léglise Trophy.

Abordámos estes e muitos outros temas, em conversa com Miguel Franco de Sousa, Secretário-Geral da FPG.

 

Como surge o golfe na sua vida? Havia tradição familiar?

Comecei a jogar em 1984, na Quinta da Marinha, acompanhando o meu pai, que também se iniciava no golfe. Não terá sido por tradição familiar, mas por influência familiar.

Foi rápida, a paixão pelo golfe, ao ponto de improvisar um driving range numa propriedade que tínhamos na Vila Alentejana de Sousel. Vivíamos lá, não havia campos no Alentejo, e foi uma maneira de poder treinar, para manter algum nível quando viesse jogar competições. Foi um período da minha juventude em que não pude jogar tanto quanto queria.

 

A sua ligação ao golfe, desde a formação académica até à actividade profissional, aconteceu ou foi mesmo opção ponderada?

Foi uma mescla de opção ponderada e falta de alternativas.

Desde muito cedo percebi que queria uma carreira no golfe, embora não ligada ao profissionalismo nem ao ensino, mas tinha o grande obstáculo de o golfe ser ainda uma indústria muito amadora, não havia grandes alternativas, acabando por ter a oportunidade de ir para os EUA fazer um curso de Gestão de Campos de Golfe, naquela que considero uma das melhores decisões da minha vida, pois sabia estar a dar os passos certos para uma carreira ligada à administração e gestão do golfe. Sabia e sei, que a minha vida estará sempre ligada ao golfe.

Há 12 anos que chegou à FPG. Pode, por favor, fazer-nos um balanço do seu percurso, desde que entrou, até ao cargo de Secretário-Geral?

Sim, entrei no início de 2003, quando foi implementado o projecto Pequim 2008, para colaborar num plano estratégico para as selecções nacionais. Havia um caminho definido e sabíamos onde queríamos chegar, o que contribuiu para um trabalho em larga escala, e sobretudo para os resultados a que chegámos em 2008, ano em que o Pedro Figueiredo ganha três campeonatos internacionais, o Internacional de Portugal, o Internacional da Irlanda e o British Boys, o José Maria Jóia ganha o Internacional da Turquia, Portugal fica em quarto lugar no Campeonato da Europa de Equipas Boys. Foi o ano de ouro.

O objectivo era chegar a 2008 com jogadores de qualidade para integrar os Jogos Olímpicos, onde o golfe acabou por não ser modalidade olímpica.

Do ponto de vista pessoal, foi um grande processo de aprendizagem, pois comecei a envolver-me na gestão da modalidade em Portugal, e tive o privilégio de contribuir para o desenvolvimento de jogadores que hoje estão a jogar nos circuitos europeus, de acompanhar o desenvolvimento da FPG, sobretudo através do complexo do Jamor.

Até 2009, com responsabilidades no âmbito técnico, das selecções nacionais e dos campeonatos, como Director Técnico Nacional, de 2009 a 2011, estive muito envolvido na candidatura de Portugal à Ryder Cup 2018. Em 2011, foi-me lançado o desafio para Secretário-Geral da FPG, que imediatamente aceitei.

 

A vida dos portugueses, nos últimos anos, não tem sido fácil. Que reflexos isto tem nas entradas e saídas de filiados? Como estamos de filiados activos?

Em 2014, registámos um aumento de filiados, mas temos de entender e verificar que o golfe sofre com a concorrência das outras modalidades mais acessíveis e mais fáceis de praticar, com o desemprego, com os jogos de vídeo, TV´s.

Há vinte anos, o jogador era sócio de um clube e ali fazia a sua vida, até pessoal, uma vez que levava a família, almoçava. Hoje, as obrigações familiares, profissionais, as alternativas de hobbies que existem são tantas, que o golfe pode aspirar a ocupar apenas uma parte dos tempos livres das pessoas.

 

Praticamente todos os países têm diminuído o número de filiados. A que se deve este fenómeno?

Os campos, em todo o mundo, têm de saber adaptar-se à realidade social. Os elevados custos de manutenção são um obstáculo, mas muitos clubes e campos não souberam ainda adaptar-se às alterações da sociedade.

A sociedade está à procura de outras experiências, abandona os seus hobbies e as suas modalidades de uma forma muito rápida, está a esgotar-se um determinado paradigma.

Creio que os denominados clubes sem campo, com a sua proximidade aos associados e as condições que lhes proporcionam, são importantes, pois colocam uma espécie de travão a esta tendência.

 

Qual é a realidade actual, em termos de filiados na FPG com licença activa?

Fechámos o ano de 2014 com aproximadamente 14.100. Por vezes fazem-se afirmações que não correspondem à verdade, como uma notícia recente, que afirmava um decréscimo de filiados relativamente a 2013. Não é verdade.

 

Mas é verdade que o número de novos filiados não difere muito do número dos que abandonam, ou, pelo menos deixam de ter licença activa?

Temos na base de dados da FPG, cerca de 30.000 jogadores (que têm ou já tiveram licença). Retirando os que continuam com a licença activa, temos conhecimento que muitos outros continuam a praticar mas optam por não ser filiados, não podendo entrar em competições, ou competindo como “Internacionais”. Este é um fenómeno a que estamos atentos, porque pode desvirtuar a verdade desportiva, sendo que, a responsabilidade pertence por inteiro aos clubes organizadores das provas. É-lhes atribuído um handicap que não corresponde à realidade e competem em condições que não são as mesmas dos restantes jogadores, não contribuindo com a sua quota-parte para o desenvolvimento do golfe, mas beneficiando dos serviços que todos os outros pagam.

Enquanto Capitão das Selecções Nacionais em vários Campeonatos da Europa e do Mundo, está numa situação privilegiada, até pelo cargo que ocupa, para fazer um balanço da evolução do golfe amador de alta competição em Portugal.

O golfe amador tem muitas particularidades, extensivas a outros países. É muito volátil, muito fácil estar no topo e logo a seguir mais abaixo.

Quando jogadores como Pedro Figueiredo, Ricardo Melo Gouveia, Miguel Gaspar, Gonçalo Pinto ou João Carlota, passam a profissionais, deixamos de ter uma equipa amadora muito forte, para recomeçar com jovens promissores, que precisam de ser trabalhados, num trabalho sólido, sustentado, com base na premissa de que os clubes são o principal catalisador na formação, com a FPG sempre no apoio. Este é o caminho que teremos de continuar a percorrer e, embora com a “sangria” que falei, temos já jogadores com resultados muito interessantes, alguns a disputar a vitória em provas internacionais e com frequentes Top 10.

 

O Golfe vai ser modalidade nos próximos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. O facto de ter liderado, entre 2003 e 2006, o projecto Pequim 2008, facilita-lhe a antevisão, a análise dos prós e dos contras da entrada do golfe como modalidade Olímpica?

É positivo do ponto de vista da desmistificação da modalidade, pois passará a ter uma dinâmica muito mais forte em alguns países (como a China, por exemplo), o que levará esses países a investir muito mais numa nova modalidade.

Tenho, no entanto, algumas reservas quanto a esta inclusão. Irão existir enormes limitações em 2016, com 60 jogadores e 60 jogadoras, por dificuldade de acomodar mais na Aldeia Olímpica, o que limita o número de países e praticantes nos jogos. Face ao impacto atual das grandes competições mundiais, tenho também algumas dúvidas da visibilidade que terá a competição olímpica. O golfe é uma modalidade com muitas tradições, e vai ser difícil quebrar com elas de forma abrupta.

Já existe um ranking para os jogadores que se irão apurar, mas é certo que, por opção pessoal ou por limitação de quotas por país, não teremos os melhores jogadores a disputar os Jogos Olímpicos.

Colocando os prós e os contras no prato da balança, penso, contudo, que esta pende para o lado positivo.

 

Tem sido o representante português em organizações europeias, como foi o caso do Championship Committee na European Golf Association (EGA). Que representam estes cargos, para si e para Portugal?

Tem sido uma experiência gratificante, contribuir para a organização dos campeonatos e das organizações da Europa, a nível da European Golf Association e do European Tour, através do Challenge and Satelite Tour Comission. Deu-me uma perspectiva do golfe internacional que não tinha, uma visão alargada do que é o golfe europeu. Apercebi-me que a EGA também tem os seus desafios e vive as suas dificuldades, tenho aprendido muito e procurado corresponder à responsabilidade dos cargos e da confiança que depositam em mim.

O Presidente da FPG, Manuel Agrellos, com a sua experiência e reputação internacional, tem-me proporcionado o contacto com estes organismos.

 

Comandar, na condição de capitão (não jogador), a Selecção da Europa Continental no Jacques Léglise Trophy, significa reconhecer os seus méritos e a credibilidade do golfe português?

É um bocado difícil ser eu a responder a essa pergunta, embora me orgulhe de ser o único português que foi capitão do Jacques Léglise Trophy, um convite que me foi lançado pelo Comité Executivo da EGA, no ano em que acabava o mandato no Championship Committee, acredito que, em parte, pelo conhecimento do meu trabalho naquele organismo, e do trabalho que desenvolvi desde 2003 com as selecções nacionais.

Fui capitão das selecções nacionais de homens e sub-18, entre 2003 e 2008, e penso que o convite surgiu com base na confiança no meu trabalho.

 

Com toda esta experiência e conhecimento do golfe, tanto a nível nacional como internacional, acha que está preparado e mentalizado para “voos mais altos”?

Considero-me uma pessoa ainda jovem, com futuro no golfe, não posso considerar que esteja no fim da carreira, portanto, sinto que tenho ainda muito para dar, gostaria de fazer muito mais coisas. Não descarto qualquer desafio que me surja, sobretudo numa modalidade e numa actividade que me apaixonam.

 

Depois da abertura, em Setembro de 2013, já pode fazer um balanço da actividade no campo e no Centro de Alta Competição do Jamor?

O balanço é positivo. Esta infraestrutura era absolutamente necessária numa grande metrópole como Lisboa, como o será em outras áreas do país.

A Escola Nacional de Golfe a funcionar muito bem, ultrapassando as expectativas mais optimistas, com dois profissionais em full-time, uma estimativa de cerca de 30% das aulas a novos jogadores, uma escola com cerca de 160 jovens, que em muitos casos influenciam os pais na prática de golfe. Para além de trazer novas pessoas para o golfe, tem também recuperado pessoas que tinham deixado de jogar. Todos os estágios das selecções são ali realizados, pois além das excelentes condições de treino e análise de swing, uma vez que estamos integrados no Complexo Desportivo do Jamor, temos entre outras facilidades, alojamento para os atletas. Estamos em fase de finalização de um ginásio para golfe, ou seja, um óptimo exemplo para implementar noutras áreas geográficas.

 

Temos assistido à passagem de vários jovens amadores de alta-competição para o estatuto de profissionais. Na sua perspectiva, todos o têm feito de forma sustentada, todos reúnem condições para esta importante evolução?

Não! São decisões que devem ser tomadas de forma muito ponderada, porque para ser profissional de golfe, não basta abandonar o estatuto de amador e começar a competir a nível profissional. Quando alguém decide tornar-se profissional de golfe, tem de garantir um conjunto de apoios técnicos, financeiros, pessoais, familiares. Ao tomar esta decisão, é preciso saber se tem uma equipa técnica que o acompanha, treinadores, psicólogos, preparadores físicos, nutricionistas, se tem torneios para competir, patrocínios para os poder jogar.

Quem não reunir estas condições, mais vale não o fazer.

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O que tem faltado aos nossos jovens profissionais? Apoios? Oportunidades? Competição? Alteração de mentalidade?

Em primeiro lugar, é preciso que os nossos profissionais tenham oportunidades de jogo. Virar profissional com um cartão do Challenge Tour facilita muito porque sabe que no ano seguinte tem 20 ou 30 torneios para jogar.

No ano passado, por exemplo, com 7 ou 8 torneios para jogar, era difícil, tanto ao Ricardo Melo Gouveia como ao Pedro Figueiredo, conseguir o cartão para o Challenge Tour. O Pedro, infelizmente não conseguiu, e o Ricardo conseguiu pela sua vitória em Itália, o que lhe proporciona uma leveza diferente.

A garantia de jogar torneios, para qualquer jogador, é a base fundamental para um melhor equilíbrio, sendo que, tanto por parte da FPG como da PGA, existe a garantia de que não será por falta de verba que deixarão de disputar uma prova.

 

Como definiria o futuro do golfe português?

O golfe é procurado pelo aspecto competitivo, para socializar, por ser um desporto ao ar livre, por quererem divulgar a sua actividade nas redes sociais. Conciliar acções para as várias realidades e necessidades das pessoas, será um decisivo passo no fomento do golfe e o início do tão aguardado salto quantitativo e, por consequência, qualitativo. 

 

Artigo escrito por Sara Moura ao abrigo da parceria entre a Revista GOLFE Portugal & Islands com o Jornal SOL.