Filhos de um mundo que desejam matar

A Grécia não é o Syriza, mas foi o Syriza quem ganhou as eleições com um programa e uma estratégia que tinham como ponto de partida uma ruptura. Os gregos votaram pela reestruturação da dívida pública e defenderam quem lhes proclamou ser imperativo restituir a dignidade. Existia um problema de base – o de grande…

A Grécia está a desmoronar-se. É injusto acusar os revolucionários de serem os culpados desse desmoronamento. Alcançaram o poder precisamente porque uma enorme base social de apoio pensou que o limite de tolerância fora ultrapassado. Votaram para que se mudasse o estado de coisas e fizeram-no com o mesmo espírito dos alemães quando escolheram Hitler no princípio da década de 1930. Uns e outros, fartos de serem humilhados e com um forte sentimento de revolta, preferiram a espada.

O Syriza não quer um acordo. Só o fará se não tiver mais nenhuma alternativa. Têm por isso protelado, atrasado, arrastado os pés. São uma soma de pequenos partidos predominantemente de extrema-esquerda. A sua elite é revolucionária, querem um outro mundo, não este. Por sua vontade, se não existissem absolutos constrangimentos, abandonariam a União Europeia que consideram o centro de um poder especulativo, burocrático e antidemocrático.

Os líderes deste novo poder são revolucionários e, sem contradição, filhos deste mundo e não de outro. Varoufakis e Tsipras estudaram em boas escolas europeias e americanas, viajaram pelo mundo, estabeleceram contactos que não poderiam ter acontecido se não vivêssemos num mundo globalizado. Quando vemos as fotografias de Varoufakis percebemos que gosta de estar onde está, que goza o momento, que o palco mediático é um lugar confortável de que talvez tenha passado a depender. São filhos de um mundo que desejam matar. 

O que quero dizer com tudo isto? Que a Europa vive em paz mas que se começam ao longe a ouvir tambores de guerra. As gerações do pós-guerra desabituaram-se do medo. Queremos continuar assim, temos o dever de convocar a história e de a usar em benefício do progresso. Já nos basta a imprevisibilidade, dessa nunca estamos livres, não precisamos de cometer erros previsíveis que sabemos como terminarão.

Sempre que abandonámos povos humilhados à sua sorte (povos com poder geoestratégico ou com uma identidade forte) pagámos com língua de palmo e milhões de vidas. O problema da Grécia não é o de sair do Euro, é o de abrir as suas portas a alternativas que provocarão fissuras irremediáveis. Ver o FMI sobrepor-se à política é a mais perigosa das imagens. Os credores têm direito a receber o que foi acordado, mas o mundo precisa de políticos com espinha dorsal, capacidade de liderança e coragem. Políticos que afirmem o poder da política e salvem o mundo de um caminho sem volta.

luis.osorio@sol.pt

Crónica originalmente publicada na edição em papel do SOL de 26/06/2015