A ordem de trabalhos incluía três pontos importantes, iniciando-se com a discussão e votação de propostas de alteração ao Regulamento das Competições, seguida de discussão e votação de propostas de alteração ao Regulamento Disciplinar, e por fim discussão e votação de propostas de alteração ao Regulamento de Arbitragem.
Destaca-se, neste último caso, a proposta do Sporting para se regressar ao sistema do sorteio dos árbitros.
Entre as alterações competitivas entretanto aprovadas, destacam-se:
– Alteração profunda do formato competitivo da Taça da Liga, reduzindo substancialmente o número de jogos (de 83 jogos para 48 jogos)
– Redução do quadro competitivo da 2.ª Liga, que a partir da época desportiva 2016/2017 será disputada por 22 equipas.
– Limitação de empréstimos a um máximo de 3 jogadores a clubes da mesma competição, ficando proibidos de defrontar a equipa de origem
– Obrigatoriedade de utilização de relvados naturais já a partir da próxima época desportiva nas competições profissionais (decisão directamente aplicável ao Boavista)
– Marcação de jogos e respectivas transmissões televisivas com uma antecedência alargada visando o conhecimento antecipado por parte dos adeptos, potenciando uma maior afluência aos estádios
Entre as alterações supra referidas, aquela que mais celeuma causou, sem qualquer dúvida, foi a limitação de cedência de apenas 3 jogadores a clubes participantes da mesma competição, mas sobretudo a proibição de utilização do jogador cedido contra o clube cedente, cujo vínculo laboral desportivo se mantém em vigor.
O contrato de cedência do praticante desportivo encontra-se previsto na lei, e na sua essência constitui um negócio jurídico trilateral que impõe, necessariamente, um consenso formal de todas as partes envolvidas, ou seja: ao cedente (entidade empregadora desportiva que cede o praticante), ao cedido (praticante desportivo) e ao cessionário (entidade empregadora desportiva que vai usufruir dos serviços do praticante desportivo temporariamente).
Este negócio frequentemente utilizado no futebol profissional vem, assim, ao encontro dos interesses de todas as partes envolvidas, uma vez que:
– ao clube cedente permite ‘emagrecer’ as despesas com os desportistas profissionais a seu cargo;
– ao atleta cedido dá a oportunidade de poder competir com mais regularidade, e consequentemente valorizar-se, evitando assim uma situação de inactividade;
– e para o clube cessionário é uma forma de poder utilizar os serviços de um atleta que, de outra forma, e principalmente por razões financeiras, não poderia normalmente usufruir, uma vez que a maior parte das vezes o clube cessionário é um clube de menores dimensões desportivas.
Para os defensores da famigerada verdade desportiva, bem como do princípio de igualdade de acesso às competições desportivas, esta deliberação da Assembleia-Geral da Liga trata-se de uma medida ajustada que credibiliza futebol português. Servindo para amenizar e corrigir algumas situações caricatas ocorridas na época transacta, como as de Miguel Rosa, Deyverson e Rui Fonte, do Belenenses, que não jogaram na época passada nenhum jogo contra o Benfica, ou ainda de Tiago Rodrigues, do Nacional da Madeira, que também não disputou o jogo na Choupana contra o FC Porto, a quem estava contratualmente vinculado.
Porém, na minha opinião, regulamentar esta matéria desta forma não faz sentido e, sobretudo, não se alcança a verdade ou transparência competitiva no campeonato profissional desta maneira. E porquê?
Em primeiro lugar, não obstante concordar com o limite do número de jogadores cedidos a clubes na mesma competição (3), não vislumbro qualquer necessidade imperiosa da Liga Profissional em regulamentar a questão da utilização ou não de jogadores cedidos contra o clube cedente.
Conforme referido anteriormente, o contrato de cedência de atletas é um negócio jurídico trilateral de consenso obrigatório, que apenas tem como participantes o clube cedente (origem), o clube cessionário (destino) e o atleta cedido. Só posteriormente é submetido à Liga Profissional, e não faz sentido que uma entidade reguladora não interveniente no negócio venha impor por via regulamentar aquilo que a própria lei não limita.
Assim, salvo melhor entendimento, deverão ser as partes outorgantes do contrato de cedência a definir a utilização ou não do atleta cedido contra o clube cedente, deixando a Liga profissional total autonomia para que estes definam aquilo que melhor defende os seus interesses.
Em segundo lugar, a estipulação de uma norma deste tipo traduz-se na consagração do princípio da desconfiança do atleta cedido nos jogos disputados contra o clube cedente, chegando-se, por esta via, a pôr em causa o seu profissionalismo e honorabilidade em determinados jogos, situação essa que julgo incompreensível e inaceitável num Estado de Direito onde a liberdade de trabalho e do exercício da profissão têm assento constitucional.
Estarão os atletas cedidos, psicológica ou emocionalmente, condicionados no exercício de funções, só por defrontarem o clube de origem? Será que o clube cedente tem a vitória como certa apenas porque o adversário pretende utilizar jogadores com os quais ainda mantém vínculo laboral? Será que a proibição de utilização de jogadores cedidos contra o clube cedente evidencia um acréscimo de credibilidade ou transparência à competição? Salvo melhor opinião, acho que não.
No meu entender, esta questão resume-se a uma falsa moralização regulamentar, que tem efeitos ao contrário, ou seja, a referida deliberação, em vez de enaltecer a transparência competitiva do futebol profissional, consagra os atletas cedidos como sujeitos merecedores de alguma desconfiança, cuja eventual utilização em determinados jogos poderá indiciar a derrogação da verdade desportiva, razão pela qual deverão estar impedidos de exercer a sua profissão.
Em terceiro lugar, e porque a maior parte das vezes existe discrepância em termos competitivos entre o clube cedente e o clube cessionário, a consagração desta deliberação traduz não só a impossibilidade de utilização de jogadores em diversos jogos da época, que até poderão ser decisivos, mas sobretudo impõe aos clubes cessionários (normalmente) de inferior dimensão, que surjam em campo de forma competitiva distinta, consoante o adversário lhe tenha ou não cedido atletas.
Pelo que, salvo mais douta opinião, esta deliberação não evidencia o princípio da igualdade do acesso à competição, mas é suscetível de se traduzir numa imposição dos clubes cedentes (normalmente mais fortes financeiramente) em condicionar desportivamente os clubes cessionários sempre que se verifiquem jogos entre si. E, com isso, adulterar a verdade desportiva da competição.
* Docente de Direito do Desporto da Universidade Lusíada de Lisboa