Segundo o Estatuto Político Administrativo da Região Autónoma da Madeira (EPARAM), a Região tem direito a uma parte das receitas arrecadadas com a privatização da TAP.
O artigo 108.º, alínea j), do EPARAM, refere que “o produto das privatizações, reprivatizações ou venda de participações patrimoniais ou financeiras públicas, existentes no todo ou em parte, no arquipélago” constitui receita da Região.
Se tivermos em conta o critério da população da Região face ao território nacional (2,5%) então a Madeira tem direito constitucional de receber a sua parte das receitas das privatizações.
Contudo, a lei-quadro das privatizações não confere legitimidade às Regiões Autónomas para reclamar verbas de privatizações de empresas nacionais. As ilhas apenas podem ficar com receitas decorrentes da “reprivatização de empresas públicas com sede e actividade principal nas regiões autónomas”. Foi o caso da ANAM.
PAEF atou recurso aos tribunais
É entre estes dois entendimentos e estas leis de igual peso (EPARAM e lei-quadro das privatizações) que o secretário regional das Finanças e da Administração Pública, Rui Gonçalves, abordado pelo SOL, vacila.
Por um lado há esse desejo antigo de reclamar receitas para a Região mas, por outro, a Madeira nunca avançou com qualquer processo contra o Estado para ver quem tem razão. Até porque a norma do EPARAM (artigo 108.º, alínea j), pode, em última instância, ser julgada inconstitucional por a Madeira estar a intrometer-se em matéria que não lhe diz respeito.
Aliás, a assinatura do Programa de Ajustamento Económico-Financeiro (PAEF), a 27 de Janeiro de 2012, fez depender o memorando de uma cláusula em que a Madeira desistia de demandas pendentes contra o Estado. Isso também explica porque é que a Região nunca recorreu aos tribunais.
Diploma em São Bento ‘caiu’
Em Maio de 2014, a Assembleia Legislativa da Madeira, por iniciativa do PS, aprovou um projecto de proposta de Lei à Assembleia da República para “Assegurar à Região Autónoma da Madeira parte do produto das privatizações, reprivatizações ou venda de participações patrimoniais ou financeiras públicas existentes, no todo ou em parte, no arquipélago”.
Segundo a proposta, o produto das privatizações seria “cedido à Região Autónoma da Madeira, em termos proporcionais aos da sua população”.
Seguindo a filosofia da lei-quadro das privatizações, as receitas deveriam ser exclusivamente utilizadas para amortizar a dívida (neste caso com particular relevância a dívida da RAM ao Estado) e parte em investimento público no sector produtivo (de apoio directo às empresas que promovam emprego).
“As verbas em causa devem ser utilizadas parte (50%) para a amortização da dívida da RAM ao Estado, na sequência do PAEF-RAM e a outra parte para investimento público”, sugeria a proposta de lei.
Pelas contas então feitas pelo PS, até essa data, as receitas globais do Estado com privatizações já atingiam os 6,7 milhões de euros pelo que 2,5% delas deveriam reverter para a Região.
Foram os casos da privatização dos CTT e da ANA que renderam 3.659 milhões de euros para os cofres do Estado pelo que a Região, proporcionalmente, teria a haver 91,5 milhões de euros só destas duas privatizações.
O diploma da Madeira ‘caiu’ em São Bento com a dissolução da Assembleia Legislativa para a realização de Eleições Regionais antecipadas (29 de Março de 2015). Além disso, existem dúvidas como se afere a ‘fatia’ da Região em casos de (re)privatizações de bancos, seguradoras e outras empresas com carteiras de clientes e fluxos de trabalho/capital na Região.
Perdão da dívida em 1999
Em diversos momentos e por diversos interlocutores a questão da ‘fatia’ das privatizações a que a Madeira tem direito foi abordada.
Contactado pelo SOL, o vice-presidente da Assembleia da República e deputado eleito pela Madeira, Guilherme Silva disse que o caso remonta ao final dos governos de Cavaco Silva.
Na altura, a Madeira ameaçou votar contra a lei-quadro das privatizações por não contemplar abertamente a ‘fatia’ afecta à Região. Houve, então, um compromisso político com Fernando Nogueira e Faria de Oliveira (ex-secretário de Estado das Finanças) que, não estando ‘preto no branco’ na lei-quadro a Madeira seria contemplada.
Seguiram-se os Governos de António Guterres e posteriores compromissos políticos com Sousa Franco. A fórmula encontrada para compensar a Região foi o perdão parcila da dívida, em 1999.
Mais recentemente, em 2012, o ex-secretário regional da Educação e Recursos Humanos, Jaime Freitas, foi a Lisboa encontrar-se com o secretário de Estado das infra-estruturas, transportes e comunicações, Sérgio Monteiro, para deixar claro que a Madeira não abdicaria da sua ‘fatia’.
Em 2013, o deputado do CDS-PP eleito pela Madeira para a Assembleia da República, Rui Barreto reivindicou para a Região a quota parte na privatização dos CTT. Aliás, o facto de tal receita/transferência não estar contemplada no orçamento do Estado para 2014 fê-lo votar contra a proposta do seu próprio governo PSD/CDS.