No centro da investigação – que começou há cerca de um ano e que atingiu Antero Henrique, vice-presidente do FC Porto e director-geral da respectiva SAD, e levou à detenção, na semana passada, de outras 15 pessoas – está o dono daquela empresa, agora preso preventivamente. Conhecido por 'Edu' ou 'Maestro', Eduardo Santos Silva é suspeito de liderar um grupo violento que nos últimos anos se impôs na Invicta e noutras cidades do país à custa de um esquema de segurança ilegal, ameaças e extorsões que semearam um clima de medo entre empresários da noite.
Ao que o SOL apurou junto de fontes policiais, o segurança, de 42 anos, é suspeito de coagir proprietários de bares e discotecas portuenses a contratar os serviços de vigilância da sua empresa, muitas vezes recorrendo a uma estratégia singular: eram simulados confrontos nesses locais com o único propósito de criar pânico e levar os empresários a recorrer à SPDE (Segurança Privada e Departamentos de Eventos).
O grupo terá ainda feito segurança directa (escoltas), diversas vezes, a Pinto da Costa e pelo menos numa ocasião a Godinho Lopes, em Junho passado. Num telefonema que foi interceptado, o ex-presidente do Sporting explicou que estava a ser alvo de ameaças.
Suspeitas de cumplicidade de polícias
Fontes ligadas à investigação, coordenada pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), adiantaram ao SOL que Eduardo Silva teria “um poder sem precedentes”, em parte devido à cada vez maior proximidade ao presidente do clube portista, de quem praticamente se tornou “guarda-costas”. A cumplicidade com o administrador da SAD do clube também era notória: Antero Henrique era mesmo o principal interlocutor de 'Edu' no clube, mas as autoridades ainda estão a analisar os contornos da relação comercial que existirá entre Antero e a SPDE.
Criada há oito anos, a SPDE tem, de resto, o exclusivo da segurança no Estádio do Dragão, onde 'Edu' era soberano na imposição das regras – o que, a certa altura, começou a ser visto com reserva em alguns sectores da PSP.
No ano passado, o empurrão contra um subcomissário da PSP, em pleno Dragão, foi um desses episódios. Eduardo afastou o oficial para deixar passar o presidente portista sem que nada lhe tivesse acontecido: o oficial não reagiu nem ordenou a sua detenção.
É verdade que 'Edu', antigo dono da empresa de segurança privada Segureza, primou sempre pelo “excelente relacionamento” com as forças de segurança, mas, acrescenta outra fonte policial, “havia uma estranha subserviência por parte de alguns oficiais”. Recorde-se que a investigação foi centralizada pela divisão de investigação criminal da PSP de Lisboa – e não do Porto, que teve um papel acessório, apenas na execução de algumas diligências.
O esquema atribuído a 'Edu' incluiria escoltas a várias individualidades – algumas famosas, como o cantor Anselmo Ralph e o jogador Hulk -, para a qual a sua empresa, com sede em Matosinhos, não está devidamente habilitada. Apesar de terem alvará só de vigilância, os seguranças que gravitavam em torno da SPDE faziam também segurança pessoal sem terem habilitação legal para isso.
Ninjas, Max e Pepe controlam Vale do Sousa e Lisboa
Muitos cúmplices de Edu eram recrutados entre seguranças com passado criminal, praticantes de artes marciais que aceitavam fazer extorsões, cobranças difíceis e outros acertos de contas. Neste aspecto, tinham destaque dois dos antigos membros do grupo 'Ninjas' (formado por seguranças ilegais que, entre 2001 e 2003, espalharam o terror entre donos de estabelecimentos nocturnos do Vale do Sousa) que nos últimos anos passaram a trabalhar para a SPDE.
Assegurada a influência na área metropolitana do Porto e também em Braga, Vila Real e Viana do Castelo, a SPDE – que dominava o mundo da diversão nocturna e outros eventos no Porto, como a Queima das Fitas – tentava agora expandir-se na capital. E era aqui que entravam em cena João Pereira (conhecido como 'Pepe') e o ex-pugilista Francisco Maximiano (tratado no meio por 'Max'), seguranças já com cadastro por ofensas à integridade e que, após a falência da empresa para a qual trabalhavam, foram contratados por 'Edu'. Desde o início do ano passado, eram eles quem garantiam o controlo de bares como o Plateau e o Art-Lisboa.
Segundo os procuradores da República João Centeno e Filomena Rosado, titulares do inquérito, ambos seguiam a mesma estratégia de imposição pela força. “Era um grupo conhecido pelos actos de extrema violência contra aqueles que lhes faziam frente” – destacam os magistrados nos despachos que fundamentaram as buscas domiciliárias (algumas de madrugada, uma excepção à regra do Código de Processo Penal). “Face ao terror que os responsáveis e os frequentadores das casas têm em relação aos arguidos e respectivos colaboradores, as acções violentas exercidas pelos mesmos não são denunciadas às autoridades, permitindo que os elementos do grupo gozem de algum sentimento de impunidade”, acrescentam.
E tal como a maioria dos arguidos, 'Max' e 'Pepe' estão indiciados por associação criminosa, extorsão, posse ilegal de arma e exercício ilícito de segurança privada.
Meses de escutas e vigilâncias
Só um dos 15 detidos no passado dia 2 não ficou em prisão preventiva, medida determinada pelo juiz de instrução João Bártolo. Trata-se do ex-agente da PSP Alberto Couto ('Joca'), indiciado apenas por posse ilegal de arma, que ficou proibido de contactar os outros arguidos. Próximo de 'Edu', Couto foi expulso da PSP após o processo 'Noite Branca' (em 2007) e, à semelhança do que sucedera na altura, quando foi visto no local de um dos tiroteios, desta vez foi apanhado junto à casa de Edu envergando um colete anti-bala.
Numa operação sem precedentes, depois de meses de vigilâncias e escutas telefónicas aos principais suspeitos, a PSP tem já decepada a estrutura principal do grupo.
Antero Henrique suspeito de encomendar vigilâncias
A grande incógnita neste momento é o papel de Antero Henrique, apontado como sucessor de Pinto da Costa. Na casa do dirigente portista, a PSP apreendeu cerca de 70 mil euros em notas – quantia cuja proveniência terá de justificar às autoridades. A sua ligação a Eduardo Silva foi detectada nas escutas telefónicas ao dono da SPDE, mas o DCIAP não terá encontrado, pelo menos para já, matéria suficiente para o deter: Antero Henrique apenas foi constituído arguido, “até para salvaguarda dos seus direitos processuais”, diz fonte policial, dada a realização de buscas a sua casa e no FC Porto.
O SOL sabe, porém, que o dirigente é suspeito de ter encomendado à SPDE, fruto da ligação cimentada com 'Edu', a vigilância de jogadores e de funcionários do clube, além de outro tipo de serviços – que incluirão mesmo extorsões e cobrança de dívidas.
A Operação Fénix – nome de código que evoca a constelação descoberta no século XVI composta por várias estrelas e pontas, numa alusão aos grupos territoriais liderados por 'Edu' – envolveu 50 buscas domiciliárias e não domiciliárias, em todo o país, e levou à apreensão de documentação, além de cerca de 121 mil euros, 40 armas, 10 viaturas e várias munições de diversos calibres.