Rui Bragança: ‘Quando for médico, vai ser impossível conciliar com o taekwondo’

Aos 13 anos Rui Bragança só insistiu no taekwondo por já ter o mês todo pago. Uma década depois, com o ouro dos Jogos Europeus no bolso, este estudante de medicina, natural de Guimarães, pisca o olho a uma medalha olímpica.

Quando começou a dar os primeiros pontapés?

Mais ao menos aos 13 anos, num ginásio perto de casa. Os meus pais iam treinar e, como a minha irmã também se inscreveu, eu quase que fui de arrastão.

Ficou logo a gostar de taekwondo?

As primeiras aulas não foram nada divertidas, mas como já tinha um mês pago continuei. Só quando começámos a bater em raquetes e a ter jogos de combate é que o bichinho começou a crescer.

Já mostrava talento?

O jeito não era inato, foi preciso treinar e só depois os resultados começaram a surgir.

Tem cuidados com a alimentação?

Não há nenhuma refeição que salte, nem alimento proibido. Só tenho é de ter cuidado com as quantidades e ir controlando o peso. Não é fácil. A minha categoria é -58 kg, mas costumo andar pelos 61 quilos. Tenho de perder peso na altura dos combates.

Como o consegue?

Reduzo ainda mais as quantidades de comida. Não passo fome de deixar de comer, mas claro que não posso comer tudo o que me apetece.

Quando surgiram as vitórias?

Foi uma coisa muito gradual. Comecei a ir a pequenos torneios, depois veio o campeonato nacional, alguns estágios, a seguir os treinos em Espanha, as provas internacionais e aos poucos os pódios e prémios começaram a aparecer. Desde o Europeu de juniores em 2007, em que fiquei em terceiro, tenho vindo a alcançar vários títulos.

Hoje é segundo do ranking mundial e estuda medicina. Ser médico está há muito tempo nos seus planos?

Não. O meu avô era médico e dizia que o primeiro neto a acabar o curso de medicina ficava com o anel de curso dele. Eu respondia-lhe que não ia ser para mim, que não era a minha ‘praia’. E hoje estou no quinto ano de medicina na Universidade do Minho.

Que especialidade quer tirar?

Quando escolhi o curso tinha a ideia da investigação, mas agora percebi que gosto mesmo é da parte clínica. Portanto, anestesia ou ortopedia. Mas, como a escolha do taekwondo e a entrada na medicina foram tão aleatórias, daqui até lá muita coisa pode acontecer.

Os estudos de medicina ajudam no taekwondo? Para anestesiar adversários ou tratar-lhes dos ossos?

[risos] Aí não tem aplicação nenhuma. Pode é ajudar-me a entender melhor a fisiologia do corpo humano e a parte da alimentação.

Como concilia estudos e desporto?

Este ano está mais complicado. O volume de competições aumentou e apesar de já ter feito alguns exames ainda não concluí todas as cadeiras. Tenho de me adaptar: estudar em aeroportos, durante os torneios, e tentar ser eficaz para poupar tempo e passar a tudo.

E quando se tornar médico?

Vai ser impossível conciliar. Não vou poder trabalhar durante 24 horas ou fazer noite no hospital, e no dia seguinte ir treinar às seis da manhã. Ou até mesmo sair de uma cirurgia para apanhar o avião para uma prova…

Vai ter de abdicar de uma das áreas.

Pode haver alternativas, como continuar a estudar até decidir acabar o taekwondo.

Tem algum apoio financeiro?

Desde que sou apoiado pelo Comité Olímpico de Portugal, felizmente, já não preciso de pagar nada do meu bolso. Tenho a bolsa de nível um [atletas com aspirações a medalhas nos Jogos Olímpicos] e o apoio dos patrocinadores, que permitem uma preparação melhor.

Já lidou com lesões complicadas?

Nada de muito grave, a não ser uma vez o nariz partido em competição e uma mão num treino.

As aulas de medicina ajudaram na recuperação?

Ainda não há nenhum segredo para que os ossos cicatrizem mais depressa [risos].

O saldo de combates é positivo?

Pelo que notei no Taekwondo Data, um site de estatísticas, tenho 66% de vitórias, por isso acho que é bom.

Já perdeu por KO?

Felizmente nunca tive esse azar.

Alguma vez foi obrigado a defender-se na rua?

Não sou um rapaz conflituoso. Nunca precisei de usar o taekwondo e não está nos planos.

A medalha de ouro nos Jogos Europeus de Baku foi planeada?

Apesar de toda a gente querer uma medalha, eu não costumo fazer prognósticos. Foi um dia que correu muitíssimo bem.

Qual foi o segredo para o ouro? A água da Penha?

[risos] Infelizmente não havia lá essa água. Consegui manter a calma antes dos combates e controlar as situações.

Recebeu muitas felicitações?

Tive muita publicidade em Portugal. Quando cheguei ao telemóvel tinha umas 250 notificações do Facebook e na foto que publiquei tive mais de 1000 gostos. Nunca me tinha acontecido.

Onde irá guardar a medalha?

Os meus pais há uns tempos fizeram-me um quadro com medalhas, mas já tenho algumas de fora. Em breve terei que cheguem para fazer mais dois ou três quadros.

Há espaço para uma dos Jogos Olímpicos?

Quem estiver no top-6 do ranking mundial no final do ano estará apurado, por isso espero nem ter de disputar o acesso no torneio de apuramento europeu. Quero estar bem nos Jogos Olímpicos e trazer alguma coisa de bom para Portugal.

hugo.alegre@sol.pt