Portugal em risco de perder academia

Portugal corre o risco de perder a academia de elite que a Fundação Aga Khan tinha previsto erguer em Cascais. O organismo ismaelita tinha escolhido, entre outros na Europa, aquele concelho português para inaugurar este tipo de escolas no mundo ocidental. Mas a aposta transformou-se numa desilusão.

O memorando de entendimento, que a Fundação assinou em 2014 com a Câmara Municipal e a sociedade gestora, proprietária dos terrenos entre Birre e o Guincho onde seria construído o projecto, expirou no passado mês de Fevereiro.

Os responsáveis pela Fundação em Portugal aguardam agora ser recebidos pelo primeiro-ministro, Passos Coelho, para depois tomarem uma decisão, apurou o SOL.

Nazim Ahmad, que dirige o organismo em Portugal, garante por seu lado ao SOL que não faz ideia do que conduziu ao fracasso do projecto – que representava um investimento no país de quase 100 milhões de euros.

Segundo Ahmad, o processo estava encaminhado: a autarquia tinha aprovado o Plano Director Municipal (PDM) com a alteração da classificação dos terrenos para ali poder ser construída a academia, e os ismaelitas até já tinham contactado alguns dos principais gabinetes de arquitectura nacionais. E tinham já entre mãos duas propostas com diferentes soluções arquitectónicas para esta academia, que iria receber mil alunos, entre os 5 e os 18 anos.

Além disso, estava acordado que a Fundação iria pagar sete milhões de euros: cinco por 20 hectares dos terrenos, propriedade do fundo de investimento luxemburguês gerido pela sociedade Norfin, e dois milhões em obras de urbanização e acessos rodoviários.

Por isso, diz Nazim Ahmad, a fundação estranhou quando em Maio teve conhecimento das declarações de Carlos Carreiras, presidente da autarquia, de que afinal já não haveria academia Aga Khan em Cascais. «Fomos totalmente apanhados de surpresa», confessa o representante da Fundação, garantindo que não vê razão para o que está acontecer.

Ao SOL, fonte oficial da Câmara alega que o problema resultou de uma «falta de entendimento entre a Fundação e a Norfin» e adianta que o organismo ismaelita comunicou, em Dezembro passado, à autarquia que tinha interesse em «desenvolver o projecto num concelho vizinho», referindo-se, segundo o SOL apurou, a Oeiras.

Ahmad, por seu lado, nega totalmente esta versão, explicando que a Fundação nunca desistiu da ideia de lançar o projecto em Cascais. No entanto, sabe o SOL, a Câmara de Oeiras está interessada em trazer a academia para terrenos no seu concelho. E  depois do anúncio do fim do memorando feito pelo presidente da autarquia, Carlos Carreiras, já terá manifestado essa intenção à Fundação. A autarquia, porém, não quer comentar o assunto.

Já Frederico Amaral, director na Norfin Sociedade Gestora de Fundos de Investimento, culpa a Câmara de Cascais pelo fracasso das negociações. «A Câmara não quis andar para a frente», limitou-se a dizer ao SOL. O responsável admite que durante as negociações os gestores do Fundo tentaram sem sucesso propor alterações ao acordo original, sugerindo que a Fundação adquirisse mais uma parcela de quatro hectares de terreno por um valor superior. Mas garante que não foi esta situação que bloqueou o processo.

Para tentar perceber o que se passou, a Fundação vai solicitar reuniões formais à Câmara de Cascais e também aos responsáveis daquela Sociedade Gestora, que tem na administração o social-democrata Alexandre Relvas e o empresário Filipe de Botton.

Todo este assunto está a ser visto com alguma preocupação por membros do Governo. Aliás, o tema terá sido mesmo abordado numa reunião, na passada sexta-feira, entre o representante do príncipe e o ministro Nuno Crato, que estava agendada para discutir incentivos a estudantes e investigadores portugueses que seriam concedidos pela Fundação, apurou o SOL.

O fim anunciado do projecto surge numa altura em que o país acaba de ser escolhido pelo príncipe Aga Khan para ser a sede mundial da comunidade ismaelita e o local onde oficialmente terá residência. Por outro lado, o próprio Executivo deu a cara pelo projecto em 2013, e o ministro da Solidariedade Social acompanhou o líder espiritual dos ismaelitas quando este quis ir pessoalmente ver os terrenos em Cascais, onde a escola seria construída.

Em Setembro desse ano, quando já decorriam há meses as negociações entre a Fundação e a autarquia, o príncipe Karim – que se encontrava de visita ao país – foi no seu helicóptero ao local da futura academia de elite. Na visita, feita com pompa e circunstância, estava, além do ministro, o presidente da Câmara, Carlos Carreiras.

Um professor para oito alunos

Nestas escolas Aga Kan, há em média um professor para cada oito crianças, e metade dos estudantes têm bolsas de estudo. São disponibilizadas actividades variadas como pintura, natação e críquete. E é dada garantia de intercâmbios com outras academias da rede Aga Khan espalhadas pelo mundo, que seguem o mesmo programa de ensino: o International Baccalaureate.

Estava previsto que a primeira fase de construção da nova academia em Portugal ficasse concluída em 2017, tendo as alterações acordadas no memorando ficado incluídas no novo PDM de Cascais – aprovado a 25 de Junho e que já está a ser contestado judicialmente, na sequência de uma providência cautelar de empresas privadas.

Só nesse dia, antes da aprovação do PDM pela coligação da maioria PSD/CDS, Carlos Carreiras falou aos deputados sobre o fim do acordo com a Aga Khan, que tinha levado a que terrenos até agora classificados como espaço de protecção e enquadramento e espaços agrícolas fossem reclassificados, de forma a alargar as possibilidades de construção.

«Limitou-se a responder que não houve acordo entre as outras partes», adianta ao SOL a vereadora do movimento independente Ser Cascais, Isabel Magalhães. Também para o socialista João Cordeiro há muito a explicar em todo este processo. «A falta de transparência da câmara tem sido brutal», acusa o vereador, lembrando que o seu partido já pediu vários esclarecimentos sobre este caso e nunca obteve resposta: «A minha suposição é que com a alteração do PDM aqueles terrenos ficaram com um preço muito superior ao acordado e que a Norfin não tenha querido manter o acordo».

‘Aga Khan foi usada’ para mudar PDM

Esta é também a tese apontada pelos movimentos que contestaram as alterações naquele espaço protegido, desde 2012, quando o então presidente da autarquia António Capucho deu início à revisão do PDM. 

«A Aga khan foi usada como um escudo, um cavalo de Troia, para fazer alterações na classificação dos terrenos que não poderiam passar para um espaço urbanizável sem um pretexto de peso», defende o advogado Rómulo Machado, que integra o Movimento MovCascais e a Associação de Moradores da Areia. Ambos têm lutado contra as alterações ao PDM que, acreditam, apenas beneficia a especulação imobiliária na zona. O advogado lembra que no memorando a fundação poderia construir apenas 40 mil metros quadrados, ficando outra parcela do terreno para a Norfin, com capacidade de construção de quase o triplo.

Por outro lado, alerta, a actual alteração ao PDM naquela zona prevê que, na prática, seja possível construir ali o equivalente à área hoje ocupada na cidade pelo Cascais Shopping, o

O príncipe que lidera os ismaelitas

O multi-milionário Aga Khan Karim al-Hussayni, de 78 anos, é o líder espiritual vivo de uma comunidade de 15 milhões de muçulmanos ismaelitas em todo o mundo e o responsável por uma rede de apoio a projectos sociais e de educação em 30 países: a Rede Aga Khan para o Desenvolvimento, que emprega quase 80 mil pessoas. O princípe nasceu em Genebra em 1936, mas tem passaporte britânico, licenciou-se em Harvard e vive em França, num palácio em Chantilly, nos arredores de Paris. É nesta localidade que a comunidade ismaili tem a sua sede mundial, que deverá agora ser transferida para Portugal ao abrigo de um acordo assinado com o Governo português no início de Junho. Desde os 20 anos que este descendente directo do profeta Maomé, assume o papel de guia da comunidade religosa, sucedendo ao avó o sultão Mahomed Shah Aga Khan, sendo o 49º imam hereditário dos ismaelis. É responsável pelo bem-estar espiritual e pelo desenvolvimento social de uma comunidade sem estado que está espalhada por dezenas de países, do Médio Oriente a África passando pela Europa e América do Norte.

joana.f.costa@sol.pt