De Lisboa ao Porto vai um salário de distância

Habilidoso com a bola, jogava de cabeça levantada e olhos na baliza. Os 17 golos em 42 jogos na segunda época no Vitória de Guimarães, em 1987/88, fizerem de Ademir a figura central do mercado de transferências em Portugal e motivo suficiente para Benfica e FC Porto desenterrarem o machado de guerra.

Os ‘dragões’ foram os primeiros a mostrar interesse no avançado brasileiro, mas as ‘águias’ intrometeram-se e ofereceram mais dinheiro ao clube e ao jogador. Pimenta Machado, à época o presidente vimaranense, indicou o caminho da Luz e o desfecho causou revolta na Invicta.

“A minha esposa estava grávida, eu já não sabia o que fazer. Foram dias insuportáveis, o senhor Pinto da Costa não ficou nada contente”, recordou Ademir ao jornal online Maisfutebol, há um par de meses.

Sete anos sem ‘atacar’ na Luz

A vingança chegou no Verão seguinte. O central Dito e o avançado Rui Águas, então um dos mais carismáticos na Luz, fizeram as malas para as Antas. No primeiro golpe da era Pinto da Costa no rival ‘encarnado’, a dupla transferência naquele ‘Verão quente’ de 1988 foi o rastilho para o extremar das relações entre os dois clubes nas décadas mais recentes.

Quase 30 anos depois, a lista dos jogadores que trocaram a camisola encarnada pela azul e branca cresceu a bom ritmo, resgatados em final de contrato e seduzidos por ordenados chorudos. Antes de Pinto da Costa, apenas uma dupla nos anos 20 e um terceiro futebolista na década de 70 haviam feito tal percurso. Com o actual líder portista, Maxi Pereira é já o 11.º a ‘converter-se’ aos ‘dragões’, depois de oito anos, 333 jogos e 11 títulos de ‘águia’ ao peito.

Com 31 anos, o experiente lateral uruguaio era um jogador livre após ter expirado o contrato com o Benfica. Aliciado com quatro milhões de euros brutos por ano, seguiu as pisadas do compatriota Cristian Rodríguez, que em 2008 trocou a Segunda Circular pelo Porto. Era o exemplo mais recente e com a chegada de Maxi fecha-se um período de sete anos de tréguas – desde a primeira investida, a Dito e Rui Águas, que Pinto da Costa não estava tanto tempo sem ‘pescar’ na Luz (ver quadro).

O‘sim’ de Maxi promove mais um rombo na relação institucional dos dois rivais. A primeira motivada por jogadores surgiu em 1921, quando Artur Augusto aceitou mudar de ares incentivado pelo aumento salarial que o FCPorto lhe oferecia. Foi o primeiro jogador do clube a alinhar na Selecção nacional, mas cedo se viu obrigado a ‘pendurar as chuteiras’, devido a uma doença fatal. Omesmo destino trágico teve José Bastos, que no ano seguinte, em 1922, arranjou emprego no Norte e voltou a ser companheiro de equipa de Artur Augusto, como tinha acontecido no Benfica. Também ele morreu jovem, vítima de doença incurável.

Até o FCPorto voltar a recrutar no rival ‘encarnado’ passariam 50 anos. Oterceiro ‘passageiro’ foi o avançado moçambicano Abel Miglietti, em 1970/71, ainda hoje o que melhor aproveitamento teve nos ‘dragões’, embora sem títulos.

Entra em cena Pinto da Costa

Depois de Dito e Rui Águas em 1988, outra dupla operação aqueceu o Verão de 1994. Campeões pelo Benfica nesse ano, os inseparáveis Yuran e Kulkov tornaram-se jogadores dispensáveis com a substituição de Toni por Artur Jorge no comando técnico.

Estava criada a oportunidade para Pinto da Costa replicar a receita aplicada anos antes. Bobby Robson era o treinador do FCPorto e apreciava as qualidades dos russos. A aproximação aos ‘dragões’ foi sendo trabalhada por José Mourinho, à data adjunto do britânico, que os encontrava com frequência no Hospital de São José durante as visitas a Cherbakov, o avançado do Sporting que ficou tetraplégico depois de um acidente de viação em Lisboa.

Os russos ganharam o seu espaço na equipa e, logo na primeira época na Invicta, festejaram o título em tons de azul. Foram os primeiros estrangeiros a sagrarem-se campeões nacionais em anos seguidos por equipas diferentes.

Um sucesso que nem o português Pedro Henriques (1997) nem o romeno Panduru (1998) experimentaram, uma vez que nunca se afirmaram como titulares. Sorte diferente tiveram, a partir de 2002, o lituano Jankauskas, que tinha jogado no Benfica emprestado pela Real Sociedad, e o português Maniche, perdido na equipa B dos ‘encarnados’. Ambos relançaram a carreira.

Tomo Sokota (2005) e Cristián Rodríguez (2008) eram até agora os exemplos mais recentes das investidas portistas na Luz. O avançado croata não chegou a acordo para renovar com o Benfica e o extremo uruguaio, um dos melhores das ‘águias’ em 2007/08, recusou ser o jogador mais bem pago – com um salário acima dos 75 mil euros que Nuno Gomes recebia por mês – para ganhar 1,5 milhões por ano no Dragão.

Segue-se Maxi Pereira, o ex-vice-capitão ‘encarnado’ que Pinto da Costa caracterizou esta semana como “um jogador à FC Porto”.

hugo.alegre@sol.pt