Eurexit em cadeira de rodas

Se, à última hora, se evitou, pelo menos provisoriamente, o Grexit, será possível impedir o…Eurexit? A Grécia não saiu formalmente do euro, mas só à custa de uma tremenda humilhação – ou um «catálogo de horrores», segundo o mais influente semanário alemão, Der Spiegel – que a torna uma espécie de protectorado ou colónia dos…

Tudo aquilo que justificara a crença num ideal de paz, prosperidade e solidariedade entre os povos europeus, a «Europa Connosco» reivindicada pelo PS e Mário Soares nesses tempos já distantes da adesão portuguesa à CEE, não sobreviverá à sua própria negação, a essa «Deseuropa» de que falava Edgar Morin.

 

A cimeira que terminou na passada segunda-feira às 9 da manhã, depois de dezassete horas de golpes de teatro mais ou menos patéticos e peripécias indignas da elite política europeia, acabou por confirmar o que já se temia, tendo em conta os episódios anteriores e o clima de tensão extrema que se instalara nos bastidores das negociações. 

Todos ficaram mal na fotografia, mesmo aqueles que insistiram numa saída desesperada para evitar o fiasco. Foi o caso de François Hollande, esforçando-se por fazer a ponte entre os dois pólos principais do conflito – ou seja: Berlim e Atenas – mas conseguindo obter apenas um compromisso pífio em que, no fundo, ninguém verdadeiramente acreditou. 

O impopular e pusilânime Presidente francês, velho especialista em sínteses de posições adversas, precisava de mais uma que o fizesse aparecer, em vésperas do 14 de Julho, como salvador da Europa. Esperava ganhar com isso um retorno de respeitabilidade, sobretudo para consumo interno, no momento em que já está em campanha para as presidenciais de 2017. Mas quando as dissensões europeias se mostram tão incuráveis, qualquer esforço de síntese, por muito laborioso que seja, parece condenado irremediavelmente ao fracasso.

 

De facto, mal o acordo acabava de ser assinado, com muitas pontas soltas e incógnitas de solução improvável – pelo menos em tempo útil -, já Wolfgang Schäuble, protagonista da cruzada anti-grega, não hesitava pôr em xeque a autoridade da chanceler Merkel, insistindo de novo na necessidade da saída temporária da Grécia do euro (uma proposta sua que fora afastada na cimeira).

No outro extremo, Alexis Tsipras – rosto principal da humilhação helénica no acordo que o descartado Varoufakis comparou a um novo Tratado de Versalhes – mostrava todo o seu desalento a uma televisão grega ao assumir «a responsabilidade por um texto no qual não acredito, mas que assinei para evitar o desastre do país». Ora, se Tsipras não acredita no acordo que assinou, como ter a garantia de que o vai cumprir? Os anti-gregos de serviço logo encontraram mais um motivo para confirmar o que sempre mais dividiu os negociadores: a falta de confiança.

Mas para completar o quadro só faltava mesmo o FMI colocar-se à margem dos compromissos estabelecidos em Bruxelas, considerando a dívida da Grécia «altamente insustentável» e propondo a extensão da maturidade dessa dívida em mais trinta anos do que o previsto (é precisamente aquilo de que os mais recalcitrantes europeus nem querem ouvir falar). 

 

Implacável na aplicação da receita da austeridade – que, como se viu no passado, só contribuirá para um novo aumento da dívida, por muito diligentes que se revelem os gregos em estado crescente de asfixia – o FMI volta a propor a quadratura do círculo. 

Ora, apesar das divergências com o FMI sobre a reestruturação da dívida grega, o texto do acordo de Bruxelas aponta num idêntico sentido: para receber os 86 mil milhões previstos no novo plano de resgate, a Grécia terá de submeter-se ao agravamento das já draconianas condições que a condenaram ao fracasso económico e à miséria social. Exigir reformas radicais – por mais indispensáveis que sejam -, num quadro de recessão e depressão acrescidas, é comprovadamente um absurdo. 

Esse absurdo só se percebe se, para além das razões financeiras, económicas e políticas, existir um elemento de irracionalidade dogmática e punitiva que o intratável sr. Schäuble encarna como ninguém. Vítima de um atentado que o obrigou a mover-se numa cadeira de rodas, este homem permanentemente azedo, arrogante e zangado com o mundo parece querer culpabilizar os gregos – ou todos quantos com eles se pareçam – pela infelicidade do seu destino. E a sua cadeira de rodas é uma metáfora cruel do destino europeu, do Eurexit a que assistimos.