Pouca terra

Pakhóm é um amador ao pé da gula  dos modernos. Da ganância e incúria de ricos, pobres, e assim-assim. Da tonteria de continentes que à conta das notas se arriscam a valer pouco mais que meio tostão furado.

«Se eu tivesse muita terra, não temeria sequer o diabo», pensa o camponês em voz alta num conto magistral de Tolstói. De quanta terra precisa o homem? Muita, toda, incita esse diabo que tudo ouve e amaldiçoa, nos cenários rurais do século XIX ou nas paisagens urbanas do novo milénio. Pakhóm amplia a sua propriedade. Insaciável, expande-se para o longínquo território dos bashquires, onde o chefe da aldeia lhe lança o desafio. Será dele toda a terra que conseguir percorrer a pé durante um dia, basta que regresse à casa de partida antes do pôr do sol, caso contrário perderá tudo. O camponês faz-se ao caminho, estica as forças ao limite, delimita chão até à primeira ameaça do ocaso – a derrota pode esperar -, e no final, com o ponto de onde saiu a acenar de muito longe, retrocede a marcha em passo de corrida para colher o prémio antes que a lua reine. Os bashquires observam a chegada triunfal, saúdam a sua proeza, aplaudem a fortuna. Mas exausto pelo esforço da jornada, é a morte quem ganha terreno a Pakhóm, tombado sem cultivar glória. O criado enterra o amo, indiferente a perguntas. O diabo, que conhece as respostas na ponta da língua, esfrega a cauda de contente. De quanta terra precisa o homem? De sete palmos abaixo do chão. 

maria.r.silva@sol.pt