Em 25 de janeiro, a Europa do pós-Segunda Guerra Mundial assistia pela primeira vez à vitória eleitoral de um partido da esquerda radical.
O Syriza ficou à beira da maioria absoluta ao eleger 149 dos 300 deputados. Mais de 36% dos votantes foram convencidos por um programa assente no fim da intervenção da 'troika' de credores internacionais e na necessidade em combater a grave "crise humanitária" no país, após quase cinco anos de duras medidas de austeridade em troca de dois memorandos avaliados em 240 mil milhões de euros.
Quando subiu ao poder, o Syriza também pretendia alterar a relação de forças no interior da União Europeia, uma estratégia que passava pela formação de uma "aliança dos povos do sul", a periferia da UE, destinada a contrabalançar o peso do "núcleo duro" dominado pela Alemanha, a grande defensora dos programas de austeridade que na Grécia não tinham resultado: recessão económica permanente, desemprego acima dos 27%, reduções salariais que chegaram aos 60%, aumento descontrolado da dívida pública (180% do PIB), empobrecimento generalizado da população, crescentes protestos sociais.
Os primeiros embates entre as duas partes, e com a Grécia representada pelo então ministro das Finanças Yanis Varoufakis, não foram pacíficos. E depressa foi visível a animosidade entre o mediático ministro grego e o seu homólogo alemão, Wolfgang Schäuble, e o chefe do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem.
No final de fevereiro, data em que terminava o segundo programa de resgate à Grécia, foi por fim anunciado um acordo após negociações muito turbulentas, com Atenas a acusar Bruxelas de emitir "ultimatos e chantagens". Os credores concordavam numa extensão do programa até ao final de junho, mas dependente da aplicação de reformas. E a última parcela do segundo empréstimo internacional, no valor de 7,2 mil milhões de euros e vital para a Grécia, permanecia congelada.
Em paralelo, o novo Governo, uma coligação do Syriza com a direita soberanista dos Gregos Independentes (Anel, 4,8% e 13 deputados) fazia eleger pelo parlamento o novo Presidente da República, Prokopis Provopoulos, proveniente da área conservadora, e adotava as primeiras medidas sociais, em oposição aos desejos dos credores.
No entanto, e durante estes seis meses, quase todas as energias foram canalizadas para as complexas negociações com os credores internacionais, União Europeia (UE), Banco Central Europeu (BCE) e Fundo Monetário Internacional (FMI).
O impasse negocial e o agravamento da crise económica conheceram um ponto de rutura em início de julho, quando após mais uma inconclusiva reunião em Bruxelas, Alexis Tsipras anunciou a realização de um referendo sobre a última proposta dos credores e "pretendia humilhar todo um povo" por conter medidas que ultrapassavam diversas "linhas vermelhas" previamente estabelecidas: impedir o aumento do IVA, sobretudo nas ilhas, proteger os contratos coletivos, as reformas, os salários.
Os resultados do referendo, que fraturou o país, significaram uma importante vitória política para Tsipras, com o 'Não' ao acordo a recolher quase 62% dos votos expressos.
A campanha decorreu com os bancos fechados, limitações aos levantamentos e uma enorme incerteza sobre o futuro da Grécia. Para a oposição, e para as instituições europeias, o voto 'Não' significava a inevitável saída da zona euro ('Grexit'), e provavelmente da própria UE, e num momento em que Atenas já tinha entrado em incumprimento face ao FMI.
Para Tsipras, e pelo contrário, esta vitória política deveria permitir-lhe garantir uma posição mais vantajosa em novas negociações. Assim, decidiu "sacrificar" o ministro das Finanças Varoufakis, substituído por Euclid Tsakalotos, enquanto os dirigentes da zona euro endureciam posições.
O novo plano de intervenção para a Grécia, anunciado na manhã de 13 de julho após 17 horas de árduas negociações e aprovado "por unanimidade", foi entendido com uma derrota em toda a linha para Atenas. No entanto, estava afastado o receio de um 'Grexit' que ninguém parecia desejar, incluindo os Estados Unidos, que por razões geopolíticas também assumiram importante função no desfecho destas negociações.
O acordo, justificado pelo líder do Syriza para "evitar o caos" forçou o Governo a fazer aprovar por duas vezes no parlamento duras reformas pedidas pelos credores, decisivas para o início das conversações para um terceiro resgate que deverá rondar os 87 mil milhões de euros.
A cedência face a diversas "linhas vermelhas" motivou dissensões no grupo parlamentar do Syriza, e Tsipras foi forçado a uma remodelação governamental que atingiu a sua "ala esquerda", mas parece ter conseguido evitar uma crise política grave e eleições antecipadas. Em paralelo, a sua taxa de popularidade mantém-se quase intocável, e com a oposição à sua direita ainda muito enfraquecida.
A Grécia vai permanecer sujeita ao fardo da austeridade, mas as relações entre centro e a periferia da UE nunca mais serão iguais. Como aliás parece ter reconhecido o próprio presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, no rescaldo destes alucinantes seis meses.
"Foi o medo que permitiu o acordo (…). A construção europeia, nascida da vontade dos povos, converteu-se num projeto de elite, o que explica o abismo entre as opiniões públicas e a ação política".
Lusa/SOL