O qu’é coaxo?

Estávamos num sítio óptimo com um tempo horrível, a jantar de fogueira acesa, num fim de semana que decidimos fazer num instante, quando me lembrei que algures na recepção havia uma placa com a avaliação feita pelos utentes que ali chegaram através do booking. E decidi ir ver onde é que tinham ficado as nove…

Nunca leio as avaliações de nada online, porque por norma, as caixas de comentários são locais onde é muito fácil projectar frustrações e irritações, e com elas agredir verbalmente alguém que prestou um serviço.

Acho que já aqui falei desta espécie de bullying e do impacto negativo que isso tem em quem consome sob influência de comentários alheios. 

Hoje é diferente. 

Hoje dedico este artigo a quem escolhe o que quer consumir porque assim o decide de forma independente e livre, a quem escolhe conscientemente e quer aquilo que viu no cardápio porque lhe pareceu bem. 

Hoje dedico este artigo a quem decide e fica feliz com a experiência na qual decide embarcar, a quem se deixa encantar pelo que escolhe, a quem vive a feliz vida dos que, quando é, adoram adorar.

Ora bem, depois de me ter perguntado então sobre aqueles pontos percentuais que faltavam na classificação afixada na recepção, fui ler os comentários negativos e não pudemos evitar rir a bandeiras despregadas, porque pronto, caro leitor/a, imagine um turismo rural voltado para a modalidade eco, que tem lagos e charcos e coisas com água, e naturalmente sapos e rãs, e que uma das pessoas nestes comentários se queixa do coaxar estridente dos batráquios noite adentro. Lá está, uma experiência na natureza, deliberadamente escolhida pela consumidora, que se queixa… Da natureza. Que ódio, quando a natureza interfere com o bom funcionamento da natureza! 

Este comentário, de entre todos os que tive oportunidade de ler, mais ou menos ridículos tendo em conta o objecto consumido e que nos une na capacidade/poder de/para criticar, deixou-me a pensar sobre esta predisposição inata que o ser humano tem de encontrar defeitos na plenitude; deixou-me a pensar sobre a incapacidade que o ser humano também tem de compreender o que o rodeia e de respeitar as escolhas, ou de se esclarecer sobre elas. E já agora, também sobre esta coisa péssima que o ser humano tem, que é a imensa vontade de apontar coisas que faria. 

Já que está quase tudo a ir de férias, e que as férias são momentos de pausa, de dolce fare niente, de silly season e de poucas preocupações, porque não abraçar tudo isso e aceitar que há montes de coisas maravilhosas à nossa espera, que nos são postas à disposição com a maior generosidade? 

Cada vez que leio estas caixas de comentários, estas caixinhas de sugestões, porque a sua opinião é importante para nós, só me lembro das duras críticas traçadas a todos os Zés e Marias que povoavam o Algarve no Verão e que iam de lancheira para a praia e que foram severamente caricaturados ao longo dos anos e que toda a gente desejou erradicar dos areais deste país. 

As caixas de comentários dos sites que, tal como um croupier numa mesa de Blackjack, distribuem jogo, são o equivalente de hoje aos skteches dos programas de humor de televisão dos anos oitenta e noventa, locais privilegiados para o acontecimento da crítica social, só que na internet e com ligação directa ao Facebook, que é mais ou menos o Café Central que existe em todas as povoações, e que é um paiol. 

Posto isto, e porque há por aí muita gente que diz que não, mas que vai com as outras, é só pensar um bocadinho: ora um turismo rural numa zona perto de água, é, naturalmente, no campo. Logo, terá fauna e flora locais. Terá batráquios. Os batráquios são as rãs e os sapos que coaxam alegre e muito altamente vidros (que não são duplos, porque no campo não passam aviões nem coisas dessas que fazem realmente barulho) e noite adentro, porque à noite, só à noite, é que ele diz que me ama, vem com falinhas mansas quando quer festa na cama, como na canção da Chiquita. Esta lógica de pensamento (a citação da música popular não é essencial) aplica-se então, a tudo. 

joanabarrios.com