No centro da polémica está o lugar na Igreja dos católicos divorciados que voltaram a casar civilmente. O tema, lançado no Sínodo da Família do ano passado, em Roma, gerou um enorme debate em todo o mundo e obrigou a Igreja portuguesa a clarificar-se. Neste debate, e depois de uma votação secreta feita durante aquela reunião, os mais conservadores venceram. E foi esse parecer que Portugal enviou para Roma.
A divisão tornou-se clara quando na Assembleia Plenária da CEP um grupo de seis bispos, todos do centro do país, assumiu uma posição mais liberal: António Marto, de Leiria-Fátima, António Moiteiro Ramos, de Aveiro, Manuel Felício, da Guarda, Virgílio Antunes, de Coimbra, Ilídio Leandro, de Viseu e Antonino Dias, de Portalegre-Castelo Branco.
Na hora de decidir qual o parecer que a Igreja portuguesa ia enviar para o Vaticano sobre este assunto, o bispo António Marto apresentou um documento que subscrevia a polémica visão do cardeal Walter Kasper sobre o acesso dos divorciados recasados à comunhão. Segundo esta proposta, os recasados poderiam voltar a comungar na missa após um percurso penitencial. Haveria uma análise caso a caso e uma decisão final que caberia ao bispo da diocese.
O bispo de Leiria-Fátima, que é também o vice-presidente da CEP, apresentou esta proposta detalhadamente, recebendo olhares de entusiasmo de uns e sinais de reprovação de outros. “Demorámos muito tempo com este assunto. Havia muitos a abanar a cabeça”, contou ao SOL um dos bispos presentes na reunião.
Duas soluções distintas para o problema dos casais recasados
Depois de deixar correr a discussão, o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, o cardeal-patriarca, que até então evitara comprometer-se com uma opinião concreta, apresentou a sua posição.
Para o cardeal, e ao contrário do colega de Leiria-Fátima, não deve alterar-se a doutrina católica, que defende que o casamento é indissolúvel e que os divorciados que voltam a casar vivem uma situação de adultério, estando por isso impedidos de comungar a hóstia na missa. Manuel Clemente defendeu então um caminho alternativo: o da simplificação dos processos de nulidade do matrimónio. Um procedimento que já está previsto na Igreja e consiste na avaliação das condições em que foi realizado o casamento. Se ele for considerado inválido, os casais ficam livres para uma segunda união, podendo nesse caso comungar.
Na hora da votação das duas propostas, houve até espaço para excepções, como a abertura do voto aos bispos eméritos. A ala progressista apresentada pelos bispos do centro acabou derrotada apenas por dois votos. Nesta votação secreta, ao lado do cardeal-patriarca terão estado os bispos das principais dioceses: Lisboa, Porto e Braga.
Apesar do debate, os bispos optaram por não o deixar transparecer para o exterior. O comunicado dessa reunião limitou-se a reconhecer que o assunto “foi objecto de aprofundada análise por parte dos membros da Assembleia”. O porta-voz da CEP, Manuel Barbosa, acrescenta ao SOL que esta divergência é natural e que as duas posições vão ao encontro do instrumentum laboris – o documento que servirá de base de trabalho no sínodo e que reúne as várias posições da Igreja. “Também ele fala destas duas sensibilidades. Contudo, sínodo significa caminho e a reflexão continuará lá”, afirmou Manuel Barbosa, sublinhando ainda que esta reunião é consultiva e “que a última palavra caberá ao Papa”.
Ilídio Leandro, bispo de Viseu, aceitou falar ao SOL sobre a posição assumida pelo grupo dos bispos do centro, no qual se inclui. “Este problema dos casais põe-se todos os dias. É importante definir qual a posição humanamente mais aconselhável para os acolher e orientar. Contudo, não podemos defender uma exigência que ponha alguns de fora”. Conhecido pelas suas posições progressistas em matéria de família, Ilídio Leandro diz, contudo, que as duas facções portuguesas “não são assim tão inconciliáveis”.
Além deste parecer dos bispos, a Santa Sé pediu também às conferências episcopais que elegessem os delegados para a próxima assembleia do sínodo. Os dois portugueses que lá estarão representam estas duas facções: o cardeal Clemente e Antonino Dias, um dos bispos do centro, e que preside à Comissão Episcopal da Família.