Foguetão e Caravela de Troufa Real

Uma igreja-caravela e outra em forma de foguetão. Nos últimos dez anos, duas igrejas de Lisboa estiveram no centro da polémica, agitando padres e arquitectos e originando acesas críticas de crentes e não crentes. Assinadas pelo mesmo arquitecto, o controverso Troufa Real, já foram inauguradas, mas os problemas estão longe de terminar. No Restelo, dois…

Por ainda estarem a esgrimir argumentos na Justiça, nem a paróquia nem o arquitecto quiseram falar à TABU sobre a Igreja da Santíssima Trindade, em Miraflores, no concelho de Oeiras. O projecto remonta ao ano 2000, quando foi para o terreno o desejo antigo de erguer uma igreja para acolher uma comunidade em expansão que se reunia na cave de um prédio. Mas a construção só avançou em 2007, depois de a autarquia ter cedido o terreno. Primeiro foi erguido o centro pastoral – para a catequese e as valências sociais -, só depois arrancou o edifício destinado ao culto religioso. 

Ao que a TABU apurou, na origem do desentendimento entre a Paróquia de Algés, à qual pertence a igreja de Miraflores, e o arquitecto Troufa Real está uma alteração ao projecto feita pela Paróquia. A ideia de construir uma cúpula invertida no interior, que evocasse “referências cósmicas e o infinito como horizonte do homem”, como explicou na altura o autor, não agradou aos paroquianos que a consideraram demasiado cara, bem como a intenção de forrar o exterior com azulejos de Querubim Lapa.

O arquitecto opôs-se à alteração, chegando a acusar a paróquia de pôr em causa a segurança da estrutura, e abandonou a obra. Esta esteve mais de cinco anos parada, não por embargo judicial mas porque a paróquia quis reunir as garantias de que podia avançar mesmo com as alterações. A construção foi retomada em Novembro, e em Junho o edifício foi inaugurado, sem cúpula mas sem inviabilizar essa possibilidade, para acautelar problemas futuros.

Quem propôs afinal o arquitecto?

A Câmara de Oeiras, na altura nas mãos de Isaltino Morais, diz agora à TABU que a escolha do autor coube ao dono da obra (a paróquia). Mas esta recusa-se a confirmar esse facto. Diogo Lino Pimentel, arquitecto que até há um ano dirigiu o Secretariado para as Novas Igrejas do Patriarcado de Lisboa, considera que este foi mais um caso de “a cavalo dado não se olha o dente”. Ou seja, a câmara propôs o arquitecto e como este oferecia o projecto foi difícil recusar as suas ideias.

Lino Pimentel não tece críticas tão duras ao templo de Miraflores como fez no caso do Restelo – sobre a igreja-caravela que disse ser um “bibelô para enfeitar a  cidade” -,  e explica que apenas sugeriu algumas alterações pontuais. “Podemos discutir o feitio, gostar ou não gostar, mas a Igreja de Miraflores tem um programa razoável”, afirmou à TABU, ainda antes da inauguração oficial.

Outro argumento de peso em Miraflores foi o preço: a igreja já custou mais de três milhões de euros, o orçamento inicial, e muito está ainda por fazer. Cansados das polémicas e de anos a fio a ver o esqueleto da igreja, os paroquianos preferem sublinhar  a conclusão da obra, aguardada há muito por uma comunidade que foi crescendo à medida que a zona foi urbanizada. É, aliás, a uma fervorosa família católica que se deve a ideia inicial de erguer a igreja. Pilar de la Peña e Joaquim Mechó foram os responsáveis pela urbanização de Miraflores, que desde os anos 60 previa a construção da igreja. Esta família doou algum dinheiro para a edificação mas, mais importante do que isso, cedeu a cave onde durante anos se reuniu esta comunidade de Miraflores, num espaço a “abarrotar” e sem condições. Pilar de la Peña, frequentadora assídua da missa, morreu sem ver a obra feita.

No dia da dedicação da igreja, comunicada em cima da hora para contornar eventuais polémicas, o patriarca de Lisboa falou de um templo que “eleva” e “envolve”. Troufa Real foi convidado mas não apareceu. Mas antes da abertura oficial foi visitar a obra e de lá não saiu nada agradado.

Críticos dizem que Igreja do Restelo só serve para chocar

Anos antes, na paróquia do Restelo, a crítica à igreja de Troufa Real foi mais difícil de conter devido à exuberância do projecto da estrutura, em forma de caravela e com uma torre de cem metros de altura. Quatro anos após a inauguração, em 2011, o pároco António Colimão garante à TABU que a polémica está ultrapassada e que o povo esteve sempre “silencioso” ao seu lado. Natural da Índia, e apaixonado pela temática dos Descobrimentos, foi o grande impulsionador desta obra, que gostava agora de ver elevada à categoria de monumento. A escolha do arquitecto Troufa Real foi da Câmara de Lisboa, na altura liderada por João Soares, garante, mas não foi uma “imposição”, esclarece, afastando as teorias conspirativas que apontavam para um favorecimento pessoal relacionado com a Maçonaria.

Lino Pimentel tem outra opinião e já fez questão de expressá-la na praça pública. “O objectivo da construir uma igreja não pode ser chocar, nem envaidecer mas propor uma mensagem”, afirma. O arquitecto do Patriarcado que deu parecer negativo a esta construção sublinha que aqui “não há um problema de arquitectura mas pastoral. Tem a ver com a forma como a igreja se apresenta ao mundo, à cidade”.

Por construir, restam ainda dois terços da obra que incluem o salão paroquial e a controversa torre de cem metros. Foram gastos três milhões de euros, faltam outros três para concluir o edifício. Quanto ao custo do projecto, mesmo em tempo de crise, contrapõe: “Quando fomos mais pobres, não construímos também obras grandiosas”? 

rita.carvalho@sol.pt