Inicialmente, as intervenções desfilavam pelas ruas aos olhos de quem passava, que não sabia quem estava por trás do trabalho. A dupla queria que a crítica fosse feita à obra em si, à sensação estética experimentada individualmente sem ideias pré-concebidas. Hoje já se sabe quem lhes dá forma: César Pereira, arquitecto, e João Balreira, organizador de projectos culturais e sociais. Conheceram-se no secundário e desde essa altura já tinham a vontade de fazer alguma coisa. Só faltava descobrir o quê.
“Um trabalho a brincar e uma brincadeira a sério” é a forma como caracterizam o projecto que teve início no Jardim da Venda Nova, um espaço ao abandono com potencialidades para ser reinventado. E assim foi. Passados dois anos, entre duas casas, nasceu um ‘jardim’ de cultura e de lazer aberto ao público.
Sem palmas e aplausos, recebem as opiniões e sugestões através das redes sociais – foi inclusive através de propostas virtuais que meteram mãos à obra no segundo projecto, ‘Parede!’, uma pintura mural do S. Sebastião.
Este ano iniciaram uma intervenção urbana diferente, com base em objectos em fim de vida. ‘Velhos são os trapos’ é a série artística que começa numa feira de velharias e que se estreou com ‘Discos riscados’, um trabalho inspirado no vendedor de vinis da dita feira. Além do investimento monetário e da vontade da dupla para levar a cabo estes trabalhos, recebem apoios por parte da Câmara Municipal e privados.
Águeda é a cidade anfitriã do Coletivo Nora, mas não é a única. A ideia é ir transpondo fronteiras. ‘Galo Duro’, por exemplo, é uma interpretação do galo de Barcelos transformado em candeeiro e que foi seleccionado para a V Mostra de Projectos Originais Portugueses, em exposição no Museu de Serralves, no Porto. O Largo de São Paulo, em Lisboa, foi o palco para ‘Serpentes’, no âmbito do evento cultural ‘Trampolim Gerador’ com o tema ‘Origem’. João e César inverteram a lógica e pensaram nas serpentes de Adão e Eva. Torres Vedras ou Coimbra foram outras cidades alvo da intervenção dos amigos. “Vamos à procura de histórias que as casas, paredes, praças ou ruas tenham e trabalhamos sobre elas”, dizem.
As ideias nascem assim, entre histórias e conceitos, e foi assim que chegaram também aos Açores.
Atracaram no arquipélago e quiseram ‘pôr-se na pele’ do primeiro navegador que foi largado na Ilha do Pico, Fernando Álvares Evangelho, com um cão. “Se calhar um dia pensou no Pico como ele é hoje”. ‘Quem me dera’ é o resultado da participação do Coletivo Nora, a convite dos Azores Fringe Festival. São pinturas “nas casas de pedra vulcânica, violas da terra, janelas e lagartos”. De intervenção em intervenção e lugar em lugar, não pensam parar, apesar de não fazerem disto profissão. “Os nossos colegas ao sábado à tarde vão jogar à bola e nós fazemos isto”. Esperam que o projecto faça sentido durante muito tempo e que as pessoas se sintam ligadas às histórias por eles contadas. “É um dos maiores desígnios do nosso colectivo”. R.L.