A editora Hihihi é uma delas. Há cerca de dois anos quatro amigos, designers do ateliê Vivóeusébio, juntaram-se depois de adquirirem uma máquina que se chama Risograph, “uma espécie de fotocopiadora usada nos anos 80, 90 para publicações mais underground”, diz à Tabu Joana Sobral. A editora nasceu em Dezembro passado, e com ela vieram três livros de desenhos. Logo em Abril foram lançados mais dois. “Estamos numa fase em que todos nós já temos filhos ou sobrinhos, e de facto, os livros de colorir que encontrávamos no mercado eram demasiado infantis e desinteressantes. E o nosso propósito é de facto torná-los mais interessantes e que tivessem o carinho dos nossos ilustradores”, explicou. Mal sabiam eles que os adultos iam adorar. “É engraçado porque as crianças abraçaram a ideia muito bem, mas temos muitos testemunhos de adultos que gostam de colorir. Alguns dão a desculpa que é para entreter as crianças”.
O fenómeno começou noutros países da Europa, como França ou Inglaterra, com O Jardim Secreto, de Johanna Basford, uma artista escocesa que desenhava sobretudo padrões em rótulos de vinhos e embalagens de perfume. Quando a editora britânica Laurence King lhe pediu que desenhasse um livro para crianças decidiu, em vez disso, fazê-lo para adultos. Resultado: desde a sua publicação, em 2013, que vendeu cerca de dois milhões de cópias no mundo inteiro, e o segundo volume, A Floresta Encantada, já está nas livrarias. Estes dois livros continuam a ser bestsellers na Amazon, e as palavras ‘anti-stress’ e ‘estimulo à criatividade’ poderão ajudar na hora do sucesso.
Que o diga Sofia Silva, que adquiriu este livro na altura de elaborar a sua tese de mestrado. “Descobri-o no Facebook e precisava de algo que me fizesse relaxar. Adorei O Jardim Secreto; resulta mesmo porque desperta a minha criatividade, o que é engraçado porque sou de ciências. Enquanto estou a colorir não penso em mais nada, vai limpando a minha mente. É o meu ansiolítico!”, diz a mestre em Engenharia Biológica.
Para sempre pequenos
Na verdade, este tipo de actividades marca tanto a tendência que nos Estados Unidos já existe uma categoria específica para esta indústria. É o chamado Mercado Peter Pan, que tem as suas raízes no mundo editorial, mas não só devido aos livros de colorir – um novo estudo indica que 55% da literatura juvenil é consumida por adultos, mas este fenómeno vai muito para além disso.
Em Brooklyn, Nova Iorque, está sediada a Preschool Mastermind, que assim trocado por miúdos, é uma espécie de infantário onde só são admitidos os maiores de 18 anos. Os preços variam entre os 333 e os 999 dólares e a oferta lectiva inclui aulas de arte onde se pinta com as mãos e se brinca com plasticina. Roupas bizarras são obrigatórias. Os lanches são sempre temáticos e respeita-se a hora da sesta: todos desenrolam o seu saco-cama, deitam-se no chão e as professoras asseguram-se de que todos os seus alunos estão devidamente tapados com os seus cobertores.
A ideia é da fundadora Michelle Joni, também conhecida por Miss Kitty, com 30 anos de idade. Um verdadeiro turbilhão de energia e com uma vontade incessante de brincar. Juntamente com Candice Kilpatrick, ou Miss Cancan, pretende que os seus alunos regressem ao tempo das purpurinas e das colas para que despertem a criança interior que têm em si. “Os adultos vivem uma rotina, estão estagnados. E ao voltarem a praticar actividades que já fizeram no infantário estão a transportar-se para outro sítio, para outro tempo, onde só eles existem; talvez um tempo em que acreditávamos em nós próprios, quando estávamos mais confiantes e prontos para enfrentar o mundo. E o meu desejo é proporcionar isso mesmo às pessoas”, disse Joni à The Village Voice.
Acreditamos que em terras lusas não exista (ainda) negócio semelhante, mas por aqui já se começa a aderir aos retiros de ioga, feng-shui ou de meditação na natureza. Tudo ofertas da Quintinha do Mar, de onde se vê o mar da Ericeira. “Chamo-lhe o turismo de alma e coração”, diz Paula Silva, uma das fundadoras deste espaço. “Consiste num espaço de cura, em que as pessoas, ou famílias, podem fazer vários tipos de terapias”. Esta experiência holística permite também fazer uma desintoxicação de tudo o que é digital, sendo obrigatório entregar telemóveis e computadores. “De seis em seis minutos, os telemóveis mandam radiações que nos fazem mal. Não temos consciência do que estamos a fazer a nós próprios. Estragamos o nosso corpo e só temos este”, explica. Não existe ligação à internet, mas pode desfrutar da praia. Tudo para que encontre a sua paz interior e se desconecte da agitação da cidade.
Os especialistas explicam
Mas será que estamos assim tão esgotados com o ambiente frenético que nos rodeia, e tão preocupados e angustiados com as responsabilidades a que o emprego e família obrigam, que sentimos a necessidade de voltar a praticar as nossas actividades preferidas em criança?
O psicoterapeuta e psiquiatra Vítor Cotovio explica-nos que “é importante não generalizar”. “Mesmo antes de existir este tipo de oferta, algumas pessoas já padeciam da síndrome Peter Pan por terem mais dificuldade em lidar com as questões da idade adulta. Ou seja, como mecanismo de defesa sentem a necessidade de regredir a um estádio mais precoce de desenvolvimento. Por isso seria muito interessante traçar o perfil das pessoas que pagam para se inscreverem nesse “infantário para adultos”“, diz à Tabu.
Mas não poupa elogios aos livros de colorir, uma vez que aumentam a nossa concentração, nos focam “no aqui e no agora”, recomendando-os pelo seu poder de descontração.
“O adulto não deve matar a criança que tem em si, mas não pode usar essa criança como substituição do adulto que é”, alertou. “Nós vivemos numa sociedade que é altamente competitiva e avaliativa, e a verdade é que a nossa vida tem de ter alguma qualidade. E muitas vezes procuramo-la em espaços e tempos onde não existe só o dever – também existe o ser, aquilo que é sonhar, criar e usufruir.”
E é verdade que as crianças, por inerência, têm tudo isso. “Sou ansiosa por natureza e os livros ajudam-me, mas sim: talvez se justifique porque poderá despertar em mim essa inocência que perdemos quando nos despedimos da criança que éramos”, remata Sofia Silva.