Começando por incensar o exemplo do actual primeiro-ministro, Albuquerque não resistiu a seguir o estilo do seu antecessor na Quinta Vigia: «Este homem que está aqui pegou em Portugal num estado catastrófico. Não faz nenhum sentido entregar o país ao PS, que o levou à falência em 2011. Isso seria a mesma coisa que entregar a guarda de uma casa ao incendiário». Igualmente jardinista no tom foi Passos Coelho: «Está na altura de, nas próximas eleições, o povo português dizer à oposição que ela é precisa em Portugal mas não para governar».
Ora, mesmo com a desculpa do espírito do lugar, o primarismo aflitivo desta retórica eleitoralista não será um prenúncio do que irá seguir-se na campanha?
Quando o civilizado Albuquerque adopta a cartilha jardinista para atacar o PS e Passos afirma que «a oposição é precisa (…) mas não para governar» coloca-se outro problema: o de saber se esta forma de fazer política, agredindo a inteligência do eleitorado, não traduz uma mentalidade com laivos antidemocráticos e de cariz populista que a Europa está a importar do Terceiro Mundo.
E se Passos e Albuquerque estiverem mesmo convencidos de que a oposição só serve para ser oposição e não existem alternativas políticas legítimas ou razoáveis aos seus governos? Esta hipótese casa-se com a tendência europeia – herdada do thatcherismo e de que a Alemanha se tornou o principal expoente – a favor da chamada TINA (sigla em inglês de ‘Não Há Alternativa’).
Por outras palavras: as oposições ao ‘pensamento único’ decretado por Berlim, pela tecnoburocracia de Bruxelas e pela ‘mão invisível’ dos mercados financeiros, só serão admissíveis enquanto objectos decorativos num teatro democrático formal mas esvaziado de sentido.
Pense-se o que se pensar dos governos Sócrates – e a minha opinião é fundamentalmente negativa -, a sua herança foi julgada pelo eleitorado nas legislativas anteriores, dando origem à coligação PSD-CDS.
Cabe agora à coligação submeter-se ao juízo dos cidadãos, por aquilo que fez e se propõe fazer numa linha de continuidade essencial com os quatro anos passados (embora temperada com uns pós de sensibilidade social e algumas promessas desconexas, não quantificadas e absurdas pelo meio, como a de tornar Portugal um dos dez países mais competitivos do mundo!).
À oposição – que não se resume ao PS, mas tem nele a sua força principal – cabe apresentar alternativas às políticas seguidas e, caso mereça o apoio maioritário dos eleitores, assumir a responsabilidade de governar.
As coisas são muito mais complicadas do que isso no plano prático? Sem dúvida. Mas é dessas regras elementares da democracia que se tem de partir, sob risco de as eleições não servirem para nada ou apenas de simulacro de um jogo com cartas viciadas.
Se não é possível ignorar a delicadeza dos cenários pós-eleitorais – com a tendência previsível para um empate entre a coligação e o PS -, eles não devem favorecer um clima de chantagem sobre a livre expressão do voto popular, porque é daí que terão de emergir as soluções de governo mais consentâneas com a vontade dos cidadãos.
Num recente editorial do Diário de Notícias, «Passos sempre em contramão», André Macedo recorda oportunamente as sucessivas contradições de percurso de Passos Coelho – apoiando convictamente, já em plena crise, aquilo que depois viria a rejeitar, como o TGV e as auto-estradas. «Quando é para abrandar – escreve Macedo -, como era o caso de 2009, o actual primeiro-ministro defendia que se avançasse a todo o vapor. Quando todas as teorias económicas mandam avançar, como é o caso do tempo que estamos a viver, Passos Coelho defende que se continue a travar a fundo».
Passos trocados e memória curta, a exemplo do que se verificou quando esqueceu num ápice as promessas eleitorais de não aumentar os impostos. Bem escasso crédito para negar à oposição o direito de aspirar a governar.
P.S. – O chamado programa eleitoral da coligação tem visivelmente a marca de Paulo Portas – no melhor estilo das manchetes do Independente – e constitui a mais flagrante contradição com a pose de Passos Coelho quando afirmava «Que se lixem as eleições!». Agora, salve-se quem puder, já vale tudo…