A percepção do ‘centro virtuoso’ é que, os ‘extremistas’ se juntam malevolamente para destruir a construção europeia. Marine Le Pen e Nigel Farage aplaudem o Syriza. Esta aliança é ameaçadora para a Europa e até para a democracia, se todos estes extremistas, do Podemos à Aurora Dourada, começarem a convergir politicamente.
Vamos ver se nos entendemos. A imobilidade correcta e instalada do ‘centrão’ origina, nas margens, ou melhor, à direita e à esquerda, uma normal e até democrática contestação, que não tem que ser convergente. Pode até divergir. A novidade seria que, aqui, convergia.
Mas para percebermos melhor do que falamos, é conveniente lembrar que na linguagem dos que normalmente pontificam nos debates generalistas, a direita é identificada com o liberalismo político, económico e social, e mais ainda com a versão ultraliberal desse liberalismo, a que sustenta que o mundo é – e deve ser – governado pelos ‘mercados’, ou seja pelas dezenas ou até centenas de milhões de criaturas – produtores e consumidores, vendedores e compradores -, cujas decisões livres são apenas coordenadas por uma benevolente e misteriosa mão invisível. Mão invisível essa que teria o efeito de conduzir tudo pelo melhor, para todos e para a própria mão.
Supostamente, a direita – ou essa direita mítica – acredita que é assim e gosta que assim seja; e a esquerda – ou essa esquerda mítica – também acredita que é assim mas acha desastroso que assim seja e quer, por isso, vigiar, controlar, regular, tributar ‘os mercados’. Acha também que a chamada ‘soberania de mercado’ oculta o poder dos capitalistas, dos ricos, de misteriosas e poderosas elites, sobre as economias – e logo sobre as políticas – dos Estados.
Ora a História das Ideias Políticas e a realidade presente mostram que nem a direita tem este entusiasmo liberal, nem a esquerda este rigor estatista. E que o importante para as distinguir são as concepções sobre os fins últimos da sociedade – que são metapolíticos – e os fins intermédios, que são políticos ou civis.
Outra convergência é a contestação – à direita e à esquerda – de que a política deve ser reduzida e subordinada à Economia, um princípio que faz da Política serva da Economia. Isto tem que ver, não só com a teoria marxista clássica, que vê nas ideias políticas categorias derivadas ou consequentes do domínio económico e de classe, mas também com o triunfo, na Guerra Fria, do ‘modelo americano’.
A verdade dos Estados e dos Mercados e das suas relações é bem diversa destas histórias de encantar e assustar que vão sendo recitadas. A redução no espaço europeu ocidental, da Política – governo dos Homens – à Economia – administração das coisas – fez-se em prejuízo quer da Política, quer da Economia.
E os demónios e sua convergência são a consequência disso. Nada mais.