Falsas comparações

Com a distância da morte bárbara do leão Cecil, apareceram pessoas a exigir aos outros – vá-se lá saber porquê – que se indignassem da mesma maneira com a morte de pessoas no Mediterrâneo, na Síria ou em Portugal às mãos de maridos e companheiros. Proponho uma terceira vaga de indignação, desta vez dirigida àqueles…

A utopia é um sintoma

A revista The Atlantic desenterrou Political Pilgrims, um livro do sociólogo Paul Hollander, de 1997, que explicava como, no século passado, intelectuais, artistas e outras pessoas mais esclarecidas do que o comum dos mortais ficaram fascinadas com a União Soviética. Nem o conhecimento oficioso dos massacres, dos assassínios políticos, dos deslocamentos de populações e do pensamento único demoveram estes brilhantes cidadãos da convicção de que a revolução estava em marcha. O paralelismo neste artigo com as mais de 4.000 pessoas que abandonaram países democráticos para se juntarem ao ISIS devolveu actualidade ao livro. Lavagem ao cérebro é uma explicação comum para o sucesso do recrutamento destes terroristas. Na verdade, a explicação estará mais próxima do misticismo básico do wishful thinking. Se a nossa vida está errada, a outra vida (revolucionária, fundamentalista) está certa. Mortes, violência e obediência fazem parte da mudança. 

Dez árvores

Li um artigo da New Yorker sobre um estudo recente publicado na Scientific Reports que confirma uma impressão de quase todos os ignorantes nestas questões. Parece que plantar dez árvores num quarteirão, onde há sobretudo betão, equivale a um aumento de 1% no bem-estar físico e psicológico dos seus habitantes. O estudo, realizado nos Estados Unidos, no Canadá e na Austrália, liderado por Marc Berman, professor de Psicologia na Universidade de Chicago, foi baseado noutro com data de 1984, de um investigador chamado Roger Ulrich, que percebeu que os pacientes a recuperar de cirurgias à vesícula em quartos com vista para um grupo de árvores melhoravam mais depressa do que os que não tinham essa bela vista. A ideia do novo estudo consistia em contabilizar esta melhoria e em perceber o que haveria no acto de olhar para árvores que pudesse dar saúde. Olhar para as árvores tranquiliza os ansiosos. Mas também pode afligir os alérgicos. Sobre isso ninguém fala. 

La isla bonita

Uma parte da asa de um avião foi encontrada na ilha de Reunião, a leste de Madagáscar. Confirmou-se que pertence ao Boeing 777 que fazia o voo MH370, misteriosamente desaparecido em Março de 2014. A ilha fica a 4.000 km do local onde se julgava ter acontecido alguma coisa ao avião. Passado quase ano e meio, é natural que finalmente se encontrem destroços. O Telegraph descobriu que há semanas já tinham sido encontrados assentos, malas e até garrafas, mas só agora associaram estas descobertas ao fatídico avião. Os encarregados das limpezas nas praias fizeram o habitual: queimaram o lixo que encontraram na praia. Um até encontrou uma mala de viagem e nem a abriu. Estranho? Nem por isso. Estas pessoas vivem numa ilha de sonho, só ensombrada por tubarões. A pouca informação que chega do exterior não os comove. Só agora, com a descoberta de parte da asa e a atenção recebida, associam o lixo que encontraram ao avião perdido. É no que dá viver num paraíso. 

Mad Men

Um dia acordámos e Lisboa estava repleta de cartazes do Partido Socialista em que se via uma rapariga a ‘tapar o cartaz da tempestade’, por assim dizer, com um outro de um sol radiante e céu limpo. «É tempo de confiança», com um ponto final depois de ‘confiança’, é o slogan que acompanha a imagem. Não quer dizer nada – só pretende causar uma emoção, uma reacção. Imagino que seja para isso que ainda se gasta dinheiro em cartazes quando há televisão e internet. Mas se a ideia é provocar uma reacção, como é que subestimaram as várias possibilidades de gozo à imagem? Ou terá sido propositado, seguindo a máxima de ‘não existe má publicidade’? Vi as primeiras manipulações no Twitter, como não podia deixar de ser, com Sócrates a espreitar na parte do bom tempo (e de ‘confiança’). Depois apareceu uma notícia no DN que dizia que António Costa, que tinha aprovado os cartazes, percebeu que eram de «eficácia duvidosa». Ficámos sem saber o que queria transmitir.