Uma bailarina improvável

De fato de treino vestido e de meias de desporto calçadas. Este pode não ser o traje mais óbvio de uma bailarina, mas a verdade é que o campo de basquetebol foi o cenário envolvente da primeira aula de ballet de Misty Copeland. Tinha 13 anos quando um dos professores da secundária onde estudava, a…

E, de facto, foi o ballet que encontrou Misty, e não o contrário. Em 2000 foi nomeada solista da companhia American Ballet Theatre (ABT) – e já este ano ocupa o cargo mais alto que se pode ter no mundo da dança: é a bailarina principal da ABT. Mas antes chegou a partilhar um quarto de motel com a mãe e mais cinco irmãos. Tudo começou naquela aula leccionada pela bailarina Cindy Bradley, para quem Misty e prodígio começaram a ser sinónimos. “Não sei bem expressar com palavras o que senti quando a vi dançar, mas foi quase como uma visão do que ela poderia vir a ser um dia. Sabia que ela faria parte do leque dos melhores bailarinos”, disse a professora ao mesmo programa.

A partir daqui a vida de Misty nunca mais seria a mesma, embora a chegada ao topo tenha sido uma viagem atribulada. É que antes de enfrentar os preconceitos da sociedade em relação ao seu tom de pele, teve de encontrar coragem e lutar contra a própria mãe. Porque Cindy não só foi o seu cartão de entrada para o mundo do ballet. Consciente do raro talento que via florescer, foi ela quem sugeriu à jovem pupila que trocasse o motel (ali usava a vedação do alpendre como barra de apoio aos pliés e piruetas) pelo seu confortável condomínio, onde viveu durante três anos.

Com receio das dramáticas mudanças que esse tempo representava na vida de Misty, a mãe decidiu que estava na altura de ela regressar a casa e crescer junto dos irmãos.

Desafiar as probabilidades

Forte e determinada, ainda debaixo das asas da família Bradley, Misty recorreu à justiça para tentar emancipar-se da mãe, tudo sob os olhos e ouvidos da imprensa americana. “Não queria deixar de dançar, e voltar ao motel era algo que eu simplesmente não podia deixar que acontecesse. Não podia deixar que o meu próprio futuro me deslizasse das mãos”. Não saiu vencedora, pois desistiu do processo passados uns meses – mas este não representava o fim do que viria a ser uma estonteante carreira de bailarina.

Desafiando todas as probabilidades, ganhou no ano seguinte uma bolsa de estudo na ABT, com apenas 17 anos. A graciosidade, a coordenação corporal e a comovente resposta à música prenderam a atenção do director da prestigiada companhia de dança, onde mais tarde foi promovida a solista. O público fixou os olhos nela quando dançou nos famosos bailados como Dom Quixote, Romeu e Julieta, Bela Adormecida, e até mesmo quando interpretou o papel duplo de cisne branco e negro no Lago dos Cisnes.

Considerada por muitos uma bailarina improvável, Misty começava a destacar-se num mundo onde existe pouca diversidade cultural, onde ainda prevalece um mar de cisnes brancos. Nos 75 anos da história da ABT foi a primeira afro-americana a ser promovida a bailarina principal.

Mas antes disso, os obstáculos e desafios foram muitos e constantes. E tão representativos do que grande parte dos afro-americanos passam no país das oportunidades que inspirou uma marca de roupas desportivas no momento de realizar um vídeo publicitário. Misty aparece a dançar com a elegância que lembra uma boneca de caixinha de música, mas o que se ouve são as razões que levam uma companhia de dança a rejeitar um candidato. Palavras fortes que ainda hoje a emocionam: “Disseram-me que não tinha o corpo certo, que os meus músculos eram demasiado salientes, que as minhas mamas eram demasiado grandes”, disse à CNN.

Dançar pelo progresso

Consciente de que todas estas opiniões são de uma indústria que se define por estereótipos, Misty rejeita-os e vai mais à frente. Redefine-os. Quebra o padrão e afirma-se como a prova viva de que, com a quantidade certa de teimosia, talento e trabalho se quebram barreiras e se criam caminhos para as gerações futuras.

A tenacidade que Misty emana levou a que a Time a tivesse considerado uma das 100 pessoas mais influentes do mundo, dando-lhe a capa da revista no passado mês de Maio. “O meu objectivo é estabelecer um exemplo positivo para os bailarinos que representam uma minoria; fazer com que seja mais fácil para eles daqui para a frente”, disse à The Edit Magazine.

Foi aliás isso que, há três anos, a motivou a suportar em segredo as dores torturantes de seis fracturas de stress na tíbia, três delas quase rupturas completas do osso, na altura de dançar O Pássaro de Fogo. “Doía-me andar. Mas decidi fazê-lo em homenagem à comunidade afro-americana que iria estar presente, e que estava agora consciente do que simboliza uma mulher negra desempenhar este papel, naquela casa”, disse no 60 Minutes. Os médicos disseram-lhe que nunca mais voltaria a dançar. Ainda bem que estavam enganados.