Este recurso surgiu na sequência de a Relação de Lisboa ter julgado improcedente um recurso sobre a prisão preventiva e de, num segundo momento, ter sido novamente negada pelo mesmo tribunal uma reclamação sobre várias nulidades.
Das treze alegadas inconstitucionalidades, agora suscitadas pela defesa do ex-primeiro-ministro, os juízes só aceitaram analisar três: o facto de Carlos Alexandre ter dispensado a audição pessoal do arguido, em Novembro, sobre a medida de coacção proposta pelo Ministério Público; a decisão do mesmo juiz de ter decretado a medida de coacção remetendo a justificação para a que fora apresentada pelo MP; e ainda a existência de presunções judiciais num acórdão da Relação de Lisboa. Em nenhuma das situações o Constitucional reconheceu inconstitucionalidade. As restantes 10 questões suscitadas pela defesa não foram sequer analisadas.
Defesa recorreu dos provérbios da Relação
Dizer que “quem cabritos vende e cabras não tem de algum lado lhe vem” não é inconstitucional. Este era um dos pontos suscitados pela defesa de José Sócrates, mas que o Constitucional considerou o recurso a adágios populares algo que cumpre a Constituição.
A defesa fundamentava: “A norma do citado artigo 127º na interpretação acolhida nessas decisões e pressuposta no despacho que decretou a prisão preventiva, de que a fundamentação da livre convicção do Tribunal e a invocação das regras de experiencia se podem reconduzir em processo penal, para efeito de julgar verificados os fortes indícios a que se refere o artigo 202º nº 1, à invocação de aforismos e expressões como ‘amizade sem limites’, ‘estilo de vida luxuoso’, ‘sólidas fontes de rendimento’, ‘quem cabritos vende e cabras não tem, de algum lado lhe vêm’, ‘milagre de altruísmo’, ‘gato escondido com rabo de fora’ e a argumentos como ‘a franja de prova’, ‘regras de presunção lícitas aceitáveis’, ‘ser altamente provável’ a existência de indícios, ‘a prova de factos (…) resultar de outros factos que não se comprovam em si próprios, mas de ilações, retiradas face ao facto e às circunstâncias concretas do seu cometimento’, ‘presunções ligadas ao princípio da normalidade ou da regra geral da experiência’, ‘ilações’, ‘presunções (…) (judiciais) que atuam como meios de prova’, ‘adequação presuntiva’ ou indícios ‘com elevado grau de probabilidade’ – por violação das garantias de defesa e da presunção de inocência, consagradas no artigo 32º nºs 1 e 2 da CRP.”
Segundo o Tribunal Constitucional, porém, “se é verdade que a fundamentação do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 17 de Março de 2015 faz referência a adágios e expressões populares, tais como ‘quem cabritos vende e cabras não tem, de algum lado lhe vêm’, ou ‘gato escondido com rabo de fora’, não resulta do discurso argumentativo que esses aforismos tenham funcionado como fator de convicção no apuramento da existência de indícios fortes da prática de crimes, sendo apenas utilizados pelos subscritores da decisão como figuras de estilo ilustrativas dos raciocínios desenvolvidos na demonstração da existência daqueles indícios.”
E fundamenta, por isso, o tribunal: “no Acórdão de 28 de Abril de 2015 do Tribunal da Relação de Lisboa nega-se expressamente um papel fundamentador a tais expressões, referindo-se que ‘é por demais evidente que não foram tais aforismos o centro e o núcleo da fundamentação, mas elementos concludentes da plasticidade e transparência do discurso judiciário utilizado’.”
Assim sendo, defendem os juízes conselheiros, “não sendo impugnada a constitucionalidade de uma qualquer interpretação normativa, mas sim os termos como se mostra redigida a fundamentação de uma das decisões recorridas, não tem o objeto do recurso, nesta parte, conteúdo normativo, pelo que não pode o Tribunal Constitucional apreciar esta questão de constitucionalidade.”
A única parte que foi analisada foi mesmo a da expressão “gato escondido com rabo de fora” por se considerar que a mesma poderia configurar uma presunção judicial. Ainda assim, defende o Constitucional: “Não coincidindo a interpretação normativa em análise com a ‘ratio decidendi’ dos acórdãos recorridos, com exceção da dimensão cuja constitucionalidade já se encontra impugnada noutras questões colocadas neste recurso, não é possível conhecer desta questão, atenta a natureza instrumental do recurso para o Tribunal Constitucional.”