Reino Unido. Labour quer voltar a ser novo

Trabalhistas britânicos podem juntar-se à nova esquerda europeia com um líder que é fã do Syriza. Jeremy Corbyn pode vir a enfrentar o homem que anda a bater recordes de Margaret Thatcher.

O Partido Trabalhista britânico inicia hoje a escolha de um novo líder, depois de em Maio ter sido derrotado pela primeira maioria absoluta do Partido Conservador desde 1992. Ed Miliband demitiu-se na noite eleitoral e a ala esquerda do partido, que o colocara no poder, foi apontada pelos barões como responsável pelo pior resultado eleitoral das últimas três décadas.

Antevia-se então um regresso ao New Labour de Tony Blair, até pelas novas regras do processo eleitoral, aprovadas há um ano com o objectivo de retirar aos sindicatos a exagerada influência que tinham na decisão. Esta fora demonstrada em 2010, com a surpreendente vitória de Ed sobre o irmão David, que acabara de desocupar o cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros. 

Mas se a reforma tinha como objectivo controlar os mais esquerdistas, o tiro pode estar prestes a sair pela culatra: Jeremy Corbyn, um veterano que considera a austeridade uma «capa para transformar a sociedade e aumentar a desigualdade», diz que o partido deve «aprender com o Syriza» e responsabiliza a NATO pela situação na Ucrânia, lidera uma corrida a quatro que terá o resultado anunciado dia 12 de Setembro.

Queria influenciar o debate

Aos 66 anos, o homem que representa Islington North na Câmara dos Comuns desde 1983 avançou para a liderança do partido porque «infelizmente» chegou a vez de ser o sacrificado da esquerda. Assim o assumiu ao Guardian horas depois de ter conseguido formalizar a candidatura dois minutos antes do prazo limite, hora em que garantiu o apoio do 35.º deputado trabalhista, obrigatório à luz das novas regras. Aí, a 15 de Junho, o grande objectivo da sua presença era apenas «promover algumas causas, incluindo-as no debate». 

Nem o próprio representante da esquerda mais radical acreditava então que o Labour se preparava para enfrentar a questão que actualmente se repete nos partidos do centro-esquerda de toda a Europa: assumir o combate à austeridade com uma colagem ao Governo grego do Syriza ou manter as bases no centro sem promessas de ruptura? As sondagens indicam que os mais de 220 mil militantes trabalhistas (a que se juntará um número indeterminado de trabalhadores sindicalizados que se registaram como apoiantes do partido) estão prestes a escolher a primeira via. 

A última sondagem, publicada no Times no fim-de-semana, dá a Corbyn 53% das intenções de voto, a uma distância de 32 pontos sobre o rival mais próximo, Andy Burnham. Liz Kendall e Yvette Cooper, duas mulheres ligadas ao New Labour, estão nas últimas posições não passando os 8% e os 18%, respectivamente, apesar de terem avançado como favoritas. 

Números que fizeram despertar os barões do partido: Alastair Campbell, o homem forte da comunicação de Tony Blair que chegou a servir como porta-voz do Governo, inventou o slogan ABC – Anyone But Corbyn (Todos Menos Corbyn). O seu mentor explicava porquê nas páginas do Guardian de ontem: «Se Jeremy Corbyn se tornar líder as próximas eleições não serão como as derrotas de 1983 e 2015. Irá ser uma queda ao fundo do poço, provavelmente a aniquilação» do partido, avisou o último trabalhista a vencer três votações consecutivas.

Num momento em que se pedia união, os trabalhistas estão em guerra aberta. «O golpe blairista dos anos 90 sequestrou o partido para a ideologia conservadora de ‘deixar tudo para os mercados’», respondeu Michael Meacher, antigo ministro do Ambiente que é apontado à pasta das Finanças em caso de vitória de Corbyn. «Quando perguntaram a Margaret Thatcher qual fora a sua maior proeza ela respondeu, triunfante, o New Labour», recordou Meacher.

Para o Guardian, jornal ligado à esquerda onde também se encontram apoiantes e detractores de Corbyn, «há talvez apenas uma coisa em que todos concordam – se o veterano esquerdista chegar à liderança, o futuro do seu partido e da política britânica será, de facto, muito diferente».

Osborne como rival 

Ao mesmo tempo que o eleitorado da esquerda britânica parece radicalizar-se, também no interior do Partido Conservador se vivem as consequências de um sucesso eleitoral inesperado. Depois de Cameron repetir a garantia de que não se candidatará a um terceiro mandato, George Osborne colocou-se pela primeira vez na liderança da corrida à sucessão, ultrapassando o mediático autarca de Londres, Boris Johnson.

O ministro das Finanças assumiu um papel de relevo ao apresentar, no início de Julho, o primeiro orçamento totalmente conservador desde 1996. E, ao contrário do habitual, não provocou um coro de elogios entre os seus ‘camaradas’ nem uma onda de consternação na oposição, ouvindo críticas e apoios de todos os quadrantes. 

Se a esquerda elogia a sua aposta num salário mínimo que passará das actuais 6,5 libras por hora para 9 em 2020 (cerca de dois mil euros por mês), também critica o facto de Osborne querer acumular 31 mil milhões de libras em privatizações, batendo o recorde de 20 mil milhões estabelecido por Thatcher em 1987. O ministro resistiu aos apelos do seu partido para que baixasse a carga fiscal aos maiores rendimentos mas alinhou na guerra de Cameron contra o Estado social: Osborne propõe-se a poupar 46 mil milhões em programas sociais, defendendo que o «sistema não pode sustentar vidas e rendas que não estão ao alcance dos contribuintes que sustentam esse sistema».