A iniciativa acontece todos os Verões desde 2010, nos meses de Julho e Agosto, perante a constatação que neste período os pais enfrentam constrangimentos superlativos para acompanhar devidamente os filhos. “Essencialmente aquilo que percebemos enquanto técnicos é que, no Verão, as famílias rapidamente se colocavam numa situação de risco. Os pais punham os seus empregos em causa porque tinham de ficar com a criança em casa ou conseguiam uma assistência aos miúdos não tão especializada e portanto também ficavam angustiados com esta solução”, conta Mariana Moretti, a psicóloga que coordena o projecto.
Mas quem olha para a Carina e a amiga Raíssa rapidamente percebe que a iniciativa vai para além de crianças com necessidades especiais. Pela sua génese inclusiva, o projecto junta debaixo do mesmo guarda-sol crianças e jovens com ou sem deficiência, em situação de carência económica.
“O BIPP não tem uma missão assistencial, tem uma missão de inclusão e de encontrar um espaço onde todos têm lugar. O projecto InFérias é isso. Todas as crianças podem inscrever-se independentemente das suas características”, adianta a psicóloga. Por isso, enquanto a Carina vai a correr dar um mergulho, o Mateus de 15 anos precisa da ajuda de uma cadeira adaptada para dar esse mesmo mergulho. Nada que incomode os 15 monitores que acompanham o grupo. Da espreguiçadeira para essa cadeira lá vai ele com um sorriso nos lábios. De regresso conta: “A água estava boa e dei muitos mergulhos!”. Ainda a tiritar de frio, insiste que quer regressar ao mar.
O Mateus está no InFérias pela terceira semana e não podia estar mais feliz. Ao lado, o Luís resistiu ao mergulho, mas ao ver o amigo tão satisfeito, diz aos monitores que afinal quer ir à água. Irá quando a cadeira adaptada voltar a cruzar o areal com mais uma criança. Entretanto, improvisa-se um banho de balde.
“A nossa proposta é que eles tenham oportunidade de experimentar coisas novas, coisas que não tenham feito. E, por incrível que pareça, há de facto miúdos que nunca tomaram banho no mar”, acrescenta Mariana. Trata-se de um espaço lúdico em que o objectivo é que todos se divirtam e façam coisas novas.
“Ainda que a nossa equipa seja especializada, ninguém está aqui para fazer terapia com ninguém. Acho que isto muda muito o paradigma das férias e da experiência que estes miúdos têm. Acabam esta semana muito cansados porque não estão habituados a este tipo de actividades – mas acabam radiantes pelas brincadeiras com a água ou com um simples jogo com uma bola que com as adaptações necessárias nós fazemos acontecer. Tudo isto dá-lhes uma enorme satisfação”, realça Mariana.
A ajudar a que estas férias sejam de facto especiais, o BIPP mune-se de um conjunto de monitores igualmente especiais. Com áreas de especialização que vão da psicologia à motricidade humana, acompanham estas crianças em todos os momentos e ajudam-nas a ultrapassar obstáculos. Vanessa Farinha, de 25 anos, acompanha a pequena Vanessa de 6. “É inglesa e comunica-se connosco essencialmente através de sons”. Sons que Vanessa – durante o resto do ano professora de Educação Física – rapidamente acompanha. Palmas que mostram que não há obstáculos mesmo se a comunicação não for verbal. “Trabalhar com estas crianças dá-nos muito mais bases para o nosso dia-a-dia profissional. O que elas passam connosco e o valor que dão a todas as coisas é muito maior do que se possa imaginar”.
Vanessa viu um anúncio num jornal em que se pedia monitores para campos de férias. Respondeu sem saber que esse campo era inclusivo a quem tinha necessidades especiais. “Primeiro foi uma surpresa mas decidi arriscar. E hoje não me vejo a fazer outra coisa”.
O mesmo se passa com Catarina Bento, de 26 anos, formada em Reabilitação Psico-Motora. Há cinco anos que as suas férias são passadas entre as crianças do programa. “É muito bom trabalhar com elas, sinto que é uma recompensa todos os dias. Claro que também é desafiante – sempre – mas é um desafio em que vamos vendo conquistas. Acima de tudo, estes campos trazem outras experiências de diversão, lazer, divertimento, contacto e brincadeira com as outras crianças sem necessidades especiais e, portanto, há tempo para coisas que normalmente não há nas escolas. Aí os recreios são muito curtos e não se consegue promover este tipo de inclusão conjunta. É um dia inteiro de recreio alargado”.
Enquanto fala connosco aquece o pequeno David que acabou de dar um mergulho, troca-lhe a t-shirt que entretanto ficou molhada, seca-o e deita-o na espreguiçadeira para mais uns raios de sol. Com um sorriso, o David diz que gostou. “Fico muito impressionada com os nossos monitores. São pessoas que têm formações muito díspares, desde Educação Física, Desporto, normalmente com especializações em Psico-Motricidade, terapeutas da fala, psicólogos. E muitos deles tiram férias para virem para aqui trabalhar connosco. Isso é realmente único”, desabafa Mariana. “Estas crianças dão mais valor a estas pequenas coisas do que aquelas que têm tudo”, explica Vanessa, apontando para aí o motivo que a faz regressar aos areais de Cascais, Verão após Verão.
Mas neste campo de férias, aberto, em que as crianças chegam às 8h30 e regressam a casa às 17h, há muito mais do que sol e praia. “No Verão, além de virmos aqui diariamente, temos um passeio por semana que tem sido muito variado. Já fomos ao Oceanário, ao Museu da Electricidade, já fomos fazer actividades para o parque do Jamor… Também fazemos jogos na Escola Secundária de Carcavelos, onde estamos instalados, um espaço que não é utilizado nesta época e que para nós constitui uma enorme mais-valia porque tem as condições necessárias”, partilha Mariana, adiantando que nessa tarde haverá banhos de mangueira no recreio da escola. “Espero que a água esteja mais quentinha!”, interrompe a Raíssa.
Para conseguir que todas as semanas, durante dois meses, 35 crianças gozem estas férias, há muito trabalho a fazer – não só em termos de recolher financiamentos, como de garantir o apoio necessário para que ninguém fique de fora, independentemente da sua situação económica. “O custo médio por semana são 130 euros. Mas na prática trabalhamos muito afincadamente o ano inteiro para conseguir financiamento que nos ajudem nos custos deste projecto. E os custos são muito elevados porque temos uma equipa especializada e em grande número para dar a assistência necessária aos miúdos”, garante Mariana.
A ajudar nesta missão está a Fundação Luís Figo, que este ano apoiou a inclusão de 50 crianças com dificuldades sócio-económicas no InFérias – uma ajuda que vem de anos anteriores. Mariana remata: “O BIPP pretende despertar esta disponibilidade que devemos ter uns para os outros e, no limite, a inclusão é isto”.