A Jerónimo Martins apresentou resultados semestrais positivos. Já se sente o consumo a reanimar?
Não. Uma coisa é a guerra dos números – e vamos entrar numa altura de muita informação e contra-informação. Mas nas estatísticas e nas análises que fazemos não houve uma alteração de consumo muito grande. Os consumidores estão a aproveitar mais as promoções. Mas não há uma mudança que permita dizer que estão mais aliviados.
Continua a receber cartas de clientes a agradecer as promoções?
Continuo. A agradecer, a pedir mais. Não nos enganemos: a situação ainda não é fácil.
Como antecipa que evoluam os preços e a deflação?
Mantemos ainda alguma deflação. Mas o importante é perceber que Portugal para nós é crucial. Nos últimos sete anos investimos mil milhões de euros no país. É a nossa pátria, um país em que acreditamos, não nos demoveu do investimento. Há uns meses a deflação preocupava-me muito porque não sabíamos lidar com isso. Agora preocupa-me menos.
Há a tese de que Portugal está a voltar a um modelo de crescimento baseado no consumo.
Portugal não cresce desde 2000. Não considero que 0,4% ou 1% seja crescimento num mundo global como o de hoje. Quando olho para os níveis de crescimento da Polónia, China ou Colômbia e olho para Portugal, não vejo a mesma dimensão de crescimento. Para mim, a grande questão é a geração de emprego. Estamos estagnados há muitos anos.
O que explica essa discrepância?
Falta um projecto nacional forte, um consenso para um rumo. É preciso estarmos todos de acordo, e perceber a dimensão dos desafios. O primeiro é a demografia. Quando não há gente nova, trabalha-se para quem? Repovoar Portugal é muito importante.
As empresas de retalho são as primeiras a sentir esse problema?
São as primeiras a preocupar-se com esse problema. Tem que ver com a sustentabilidade futura dos negócios e como é que se adaptam os investimentos ao cliente do futuro. Isto não se pode alterar de um dia para o outro. A companhia está a preparar-se para lidar com clientes que serão cada vez mais de terceira idade.
Como está a fazê-lo?
Isso não lhes digo. Estaria a dar informação aos concorrentes…
Os seus concorrentes estão a olhar para os mesmos problemas.
Imagino que sim. São bons concorrentes.
Porque é que ainda não têm vendas online?
Em 1999 tínhamos. O Pingo Doce foi o primeiro a fazer isso. Tivemos razão antes do tempo. Depois começámos a olhar para isso com frieza e a ver se estes investimentos se pagam ou não. Até agora não vi nenhuma empresa de alimentar dizer que ganha dinheiro com o online.
Os consumidores usam a internet para comparar preços. Não venderem online não tem que ver com o medo dessa comparação?
Não. Não tenho medo porque também nos consultam. O site do Pingo Doce tem quase um milhão de pessoas a consultar os folhetos todas as segundas e terças-feiras [quando são lançados] para planearem as compras. Depois vão à loja porque sabem que lá há sempre mais qualquer coisa.
A famosa guerra de preços entre retalhistas vai continuar?
Primeiro, acho que não há guerra. Cada retalhista mostra os seus argumentos e tenta cativar o consumidor, que beneficia com esse processo. Não haver concorrência é um perigo: não traz eficiência, nem desenvolvimento. Só traz perda para todos. Esta guerra, como vocês chamam, considero-a uma luta saudável. Com esta crise, o consumidor português aprendeu a dar muito mais valor ao dinheiro. Aprendeu a saber o valor das coisas que compra. E isso não vai desaparecer.
Os reguladores não têm uma visão tão benigna e têm aplicado coimas.
Os legisladores fazem a legislação que acham importante. A entidade que a aplica deve ser muito independente. Temos de viver dentro da lei. Se não estivermos de acordo, recorremos aos tribunais e eles que façam o julgamento.
Têm recorrido muito ao tribunal.
Recorremos quando sentimos que temos razão. Felizmente, em grande parte das situações, os tribunais têm-nos dado razão.
Como reage quando sindicatos e líderes partidários criticam companhias como a Jerónimo Martins?
Não vou dizer que somos a perfeição. No final de 2014 empregávamos 86.500 pessoas. É mais que o número de habitantes do município de Torres Vedras, Vila do Conde ou Barreiro. Se estas cidades têm problemas, nós também temos. Não podemos estar todos de acordo em tudo. A sabedoria está em saber resolvê-los. Quanto maior for a escala, estamos cientes que mais problemas vamos ter. E mais inimigos vamos ter.
Mas enerva-se com as críticas?
Mentiria se dissesse que, muitas vezes, não mexem comigo. Mas quando chegamos a estes lugares temos de saber que isto acontece. Nalgumas situações sinto-me injustiçado. E muito mais quando sinto a companhia injustiçada. Se for individual, uma noite dormida e no dia seguinte segue-se caminho. Quando vejo que a companhia também se sentiu mal, aí é que vivo mesmo o drama.
Como são as vossas relações com a Autoridade Tributária?
A administração fiscal tornou-se uma máquina boa na actuação, para equilibrar a dinâmica do país, mas é um monopólio. Como tal também faz algum abuso de autoridade. Sinto que há alguma dificuldade de diálogo. Não é só com as companhias, é com os contribuintes individuais. É muito a pressão para obter receita fiscal.
Os impostos estão muito altos?
Muitíssimo. Houve uma grande destruição da classe média, com esta crise. Nenhum país tem futuro sem uma classe média forte.
É recuperável?
Ainda temos um grande caminho para fazer e para ver se é possível ou não recuperar. Em Portugal, respirámos, mas não resolvemos. Ganhámos credibilidade, mas ainda não temos a solução final. E não deixamos de ter a dívida para pagar. Ainda estamos numa situação que considero perigosa. Se há uma alteração fortíssima no mundo…
A turbulência na Grécia pode afectar Portugal?
Não tenho uma avaliação muito correcta sobre o que passa na Grécia porque a informação que nos chega não permite ter uma análise ímpar. Mas sei que Portugal lutou para não ter o mesmo problema. Portugal ia caindo na mesma situação, mas o povo, como uma força, percebeu o desafio. O povo português é inteligente e nas horas da verdade tem sempre aparecido. Penso que é uma boa lição para todos que quando perdemos a nossa liberdade e ficamos na mão dos credores sofremos o que temos de sofrer. Para a reconquistar há um custo muito grande.
Quando olha para o projecto europeu, o que antecipa?
Desejo que a Europa encontre um líder. Kohl, Thatcher e Mitterrand foram os grandes líderes que tivemos na Europa. Entendiam-se. À parte das suas divergências, percebiam que o bem comum era superior ao individualismo. Hoje, não vemos isso na Europa.
Sente uma clivagem entre o Norte e o Sul da Europa?
Sinto uma grande clivagem. E sinto que foi muito mais construída do que verdadeiramente sentida. Preocupa-me. E a tendência é para se agravar porque ainda há muitos problemas por resolver.
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