A coligação, reunida na impensável sigla PÀF, limita-se a pretender capitalizar a sua própria herança, como se o passado político destes últimos quatro anos pudesse mobilizar o eleitorado ou convencê-lo, pelo menos, de que os riscos serão sempre inferiores aos de uma aventura socialista de destino incerto e perigoso.
Ora, sendo o PS a única verdadeira alternativa à coligação, mas praticamente sem margem de manobra no campo das alianças – exceptuando com o Livre, cujas hipóteses são muitíssimo remotas para assegurar uma maioria de esquerda no Parlamento –, resta-lhe apostar no ‘voto útil’, e daí a premência de empolgar os eleitores com vista a obter sozinho essa miraculosa maioria.
O problema é que o PS parece estar a fazer quase tudo o que é possível para não ser… «empolgante». Pelo contrário, o calculismo e o tacticismo que se desenham na sua campanha, com a preocupação ostensiva de não espantar a caça, suscitar temores internos e assustar os credores internacionais, não favorecem uma onda de entusiasmo e galvanização entre o eleitorado.
Mas, como se isso não bastasse, têm-se sucedido os episódios embaraçosos para a credibilidade e unidade do partido. Aí estão o triste folhetim dos cartazes eleitorais ou o anúncio da candidatura de Maria de Belém no pior timing possível e coincidindo com uma entrevista em directo de Costa à SIC Notícias (uma «gafe», segundo a candidata, mas que não deixa de ser inexplicável).
Por mais compreensíveis que sejam as cautelas de António Costa, escaldado com o exemplo da Grécia, a revisão das metas do programa macroeconómico divulgada esta semana terá estimulado um clima de incerteza sobre os «compromissos» socialistas para aliviar a pressão da austeridade, favorecer o crescimento e diminuir o desemprego (pecando, neste caso, por um excesso de optimismo, contraditório com as referidas cautelas).
Se o programa macroeconómico constituiu uma iniciativa oportuna no sentido de fazer o país respirar depois do sufoco dos últimos quatro anos, parece agora evidente que lhe falta em suplemento de alma – ou capacidade de «empolgar» os eleitores deprimidos – o que lhe sobra em calculismo tecnocrático e contabilístico. Se os tempos não são propícios a uma grande reviravolta na vida da maioria dos portugueses, também não será assim que, como pretende o PS, se dará verdadeira primazia às pessoas sobre os números (o alfa e o ómega da coligação).
Daí uma dúvida que ameaça crescer: o PS aposta em alternativas consistentes, credíveis e mobilizadoras ou limitou-se a ficar refém dos credores e do medo de repetir o desaire grego? Não será essa dúvida que explica a dificuldade em descolar nas sondagens, superar o empate técnico com a coligação ou ultrapassar o temor de uma mudança com mais riscos do que benefícios aos olhos de um eleitorado descrente?
Há como que uma sensação de vazio a espreitar no horizonte enquanto se avolumam as nuvens dos fait-divers e a disputa em torno das presidenciais. Esse vazio explica o espaço ocupado pelo confrangedor amadorismo na gestão da propaganda eleitoral ou o carácter traumático da divisão dos socialistas sobre os candidatos à chefia do Estado.
Para piorar as coisas, não se percebe porque é que Maria de Belém decidiu avançar neste preciso momento e não depois das legislativas – ou então porque é que, se essa era a sua vontade (absolutamente legítima, sublinhe-se), não a anunciou há mais tempo. Será apenas uma reacção à candidatura de Nóvoa, tirando partido do facto de que o ex-reitor universitário está a perder gás na sua pré-campanha e corre o risco de se tornar um fogo-fátuo?
Seja como for, apesar de se saber que a direcção do PS só tomará posição sobre as presidenciais após as legislativas, estes imbróglios acabam por ter efeitos corrosivos na imagem do candidato socialista a primeiro-ministro. Não basta a vontade de «correr com eles» (ou seja, a actual coligação) para o PS ganhar as legislativas – e muito menos por uma maioria convincente.