Enquanto alongam os músculos já moídos dos três primeiros quilómetros a pé perto de Torres Vedras, a Irmã Maria Sónia transfere os ensinamentos bíblicos para a realidade: “Já viram que caminhar não é fácil: tropeçamos, caímos, mas levantamo-nos! A samaritana também teve de caminhar para encontrar Jesus”. Também se cansou, acrescenta esta religiosa das Pias Discípulas do Divino Mestre, distribuindo papéis coloridos em forma de peça de puzzle com mais um repto: “O que me diz Jesus?”.
Sarah e Maria Inês ainda não descobriram “o que Deus quer” da sua vida. Mas já perderam o medo da resposta. “Agora já não tenho medo da minha vocação, seja para o matrimónio ou a vida consagrada”, confessa Sarah, 16 anos, acrescentando que nestes campos de férias não se mostra só o que é uma ordem religiosa. Maria Inês vai mais directa ao assunto: “Ao princípio eu pensava: ‘não quero ser freira, por amor de Deus’!”, diz, sorrindo. “Mas agora olho para elas e vejo: como são felizes!”. Por isso, todas as perspectivas estão em aberto.
Estão há três anos neste grupo de discernimento vocacional para raparigas mas não participam só nos campos de Verão, são acompanhadas por padres e freiras durante todo o ano no grupo Mais Além, composto por 12 raparigas que levam isto mais a sério.
Oriundas de famílias católicas, com participação activa na vida da Igreja e abertura para “falar destas coisas”, garantem que esta experiência já provocou mudanças nas suas vidas. “Estou mais comunicativa. Perdi a vergonha de dizer que sou católica. Mesmo que me critiquem na escola sinto-me confortável”, confessa Inês, enquanto as colegas caminham e cantam, intercalando músicas religiosas – “Cristo me encontrou e a minha vida mudou” – com as das bandas da moda como os D.A.M.A.
Destes campos de férias no Seminário de Penafirme cada jovem retira o que mais gosta. Umas vêm mais pela brincadeira e convívio e até reclamam quando percebem que há missa diária, catequese, oração várias vezes ao dia. Maria Inês e Sarah preferem destacar os momentos mais espirituais, de silêncio e oração. Outra mais-valia, sublinham, é a proximidade com as irmãs de várias congregações e a hipótese de ouvir as suas histórias: como decidiram entrar no convento, sentiram o chamamento.
“Algumas têm vergonha de perguntar. Outras querem perceber como Deus chama e dizem: ‘não sei como é, não oiço nada’”, conta Ausenda, que já deu um passo para ser consagrada mas na vida laical, ou seja, uma espécie de freira sem hábito. A inquietação vocacional que é despertada nestes grupos pode ser continuada depois junto de uma religiosa ou congregação específica com que a jovem se identifique mais, seja de clausura ou vida activa.
José Miguel Pereira, responsável pelo Sector Vocacional do Patriarcado de Lisboa, explica que o objectivo foi proporcionar às raparigas algo semelhante ao que já havia para os rapazes no Pré-Seminário. “As que tinham mais interesse já iam procurar sozinhas. Mas era importante fazer este trabalho pois quando íamos às paróquias falar de vocações aos jovens não tínhamos nada para propor às raparigas”.
Desde que foi criado este dinamismo, há cinco anos, quatro raparigas já deram um passo em frente: entraram no convento.