“Meu Deus…” Lorne Ducan solta uma gargalhada. “Podes perguntar a 50 caddies diferentes, e vais acabar por ouvir 50 histórias diferentes.”
A pergunta, a primeira, era simples. Como acabaste por ser um caddie? Mas a resposta do canadiano, a bater à porta dos 50 anos, leva-nos por uma viagem que dá uma volta ao mundo, e tem o epicentro em Augusta.
“Estive lá por pouco tempo, fui expulso”, conta. Aconteceu este ano. Matthew Fitzpratrick, o jovem amador britânico, esteve com ele no British Open, e umas semanas depois venceu o US Amateur. Muitas portas abriram-se, e uma delas foi a de Augusta.
“Ele convidou-me para acompanhá-lo nesses torneios, e claro que eu aceitei”, recorda Ducan, que tem uma sólida reputação de ajudar amadores nos majors. Mas desta vez as coisas não eram tão simples. “Tenho um problema nos pés, e desde 2000 que só consigo usar sandálias”, explica o canadiano.
Ambos sabiam que ia ser engraçado. Andar de sandálias nos tradicionais fairways de Augusta, ia dar nas vistas. Ducan ainda tentou usar ténis normais. “Sabia que ia ser doloroso, mas pensei que aguentava.” Mas logo no final do primeiro dia, percebeu que não dava para andar calçado a semana toda.
Foi falar com o diretor do campo, mas era como dialogar com uma “cadeira”. Pôs a hipótese de usar crocks. Explicou o problema. Argumentou. Esbracejou. Nada… “Eles estão mais preocupados com a estética do que com os seres humanos”, lamenta.
“Não valia a pena, só lamentei pelo Matt, mas pronto. Segui o meu caminho”, diz. A historia, mais uma para a galeria de Augusta, tornou os pés de Ducan os mais famosos do circuito. Ele, aponta para as sandálias e ri.
Ri muito. Jorge Gamarra também. O argentino de 45 anos, conhecido como o caddie das estrelas, já esteve ao lado de nomes como Miguel Angel Jimenez, Vicente Fernandez, Francesco Molinari ou Jorge Berendt.
Considerado um pioneiro na Argentina, Gamarra começou a carreira em 1977, levando tacos para o Golf Club de Villa Adelina, em Buenos Aires. Com pouco ou nenhum trabalho, decide em 1998 tentar a sorte na Europa. Vendeu os tacos e a moto, e lá foi. “Os primeiros anos não foram fáceis. Perdi uns 10 quilos, porque não tinha dinheiro para comer.”
Não desistiu, começou a trabalhar e a ser respeitado. Hoje, leva o saco de Ricardo Santos, que recorda os primeiros tempos. “Lembro-me que no primeiro torneio com o Jorge, a Grand Final do Challenge Tour de 2011, eu estava na frente no primeiro dia, mas mesmo assim filmavam mais a ele do que a mim”, disse Santos numa entrevista recente. “Acho que era eu que estava à experiência, não ele”, acrescentou.
Já Duncan começou mesmo à experiência. Tinha acabado o liceu, onde jogou basquetebol durante dois anos. Percebeu que o futuro não passava por ali, e como, por influência do pai – um profissional de ensino – adorava golfe, decidiu tentar a sorte como jogador.
“Agarrei na minha carrinha e ‘desci’ para os Estados Unidos, com a ideia de viajar e jogar o máximo possível”. O sonho durante algum tempo, até que um dia, viu-se em Phoenix. “Pensei em tentar jogar o Open, e depois pensei – não sei bem porquê – posso ser caddie no Open.”
Foi falar com o responsável, que disse-lhe que não havia a mínima hipótese de tal acontecer. Não desistiu, e foi tentar as qualificações. Ficou a ver os jogadores chegarem, e os caddies irem ao encontro buscar os sacos. “Até que chegou um, reconheci-o logo, era o Woody Blackburn, e como ninguém foi lá, eu fui.”
“Disse-lhe que tinha um handicap de 2, que sabia as regras mas não percebia nada de ser caddie, e ele disse ok, vai servir.” E serviu, não em Phoenix, onde Blackburn falhou a classificação, mas nos anos seguintes.
“No final ele disse que eu tinha feito um bom trabalho, e perguntou-se se eu queria ser o caddie dele na semana seguinte, em San Diego. Não tinha nada melhor para fazer e aceitei. Dois anos depois, continuava com ele”.
Ducan, garante que nunca pensou numa carreira como caddie. A verdade é que consegue reunir as duas coisas que mais gosta: viajar e golfe. “Já estive em África, América do Sul, Asia, Europa… Às vezes com um saco de golfe às costas, outras com a minha mochila.”
Gamarra não teve a vida tão facilitada. Na Argentina, golfe era um luxo e a única maneira dele conseguir jogar era tornar-se um caddie. “As pessoas pensam que nós só carregamos o saco e limpamos as bolas, mas ser caddie é muito mais do que isso”, lembra.
Principalmente agora, em que as responsabilidades são maiores. Viajam sozinhos, um dia antes do jogador, para ver as condições do campo. Depois, quando o jogador chega, jogam uma volta de treino, para ver como são e estão os greens, os fairways e os roughts. “Tudo para que quando o torneio começar, possam dar os melhores conselhos aos jogadores.”
Passam pelos mesmos sacrifícios. Distância da família e dos amigos. Viagens intermináveis. Fusos horários distantes. Comida estranha. Tudo sem o mesmo reconhecimento, sem as mesmas recompensas. “É duro, mas também é divertido”, reconhece.
Ducan também não se arrepende da vida que escolheu. Agora, está “mais ou menos” retirado, mas vai aceitando alguns convites aqui e ali. Sempre de sandálias, não fosse ele o dono dos pés mais famosos do circuito.
Artigo escrito por Márcio Berenguer ao abrigo da parceria entre a Revista GOLFE Portugal & Islands com o Jornal SOL.