Nos últimos anos houve turbulência financeira com o subprime, com a Grécia, a crise da Zona Euro, e agora a China. Parece que as crises já nem são cíclicas, são permanentes. Porquê?
O grande problema é todos os bancos centrais estarem a actuar nos mercados financeiros, de forma desconcertada. Antigamente, quando havia crises, actuavam três ou seis meses e a partir daí saíam e voltavam ao papel de retaguarda. Agora intervêm permanentemente nas bolsas, nas taxas de juro, na moeda. O mercado não consegue funcionar de forma regular porque está sempre à espera do banco central que vai actuar a seguir e da nova disfunção que vai ser gerada.
Neste momento, a China domina as atenções.
Sim. O que se pensa é que o país esteja a crescer a metade do que é publicitado, e portanto as pessoas questionam-se se, mesmo com um crescimento de 4% ou 4,5%, isso é suficiente para não haver tensões sociais no país, que tem uma população enorme que procura bem-estar. Se houver crescimento muito baixo pode haver problemas sociais – a história da China diz-nos isso.
Os últimos anos foram também profícuos em crises bancárias. Porquê?
Um dos problemas é a perda da noção de que o serviço bancário é essencialmente um serviço público. Esta questão não é entendida muito bem pelos gestores actuais. Foram criados num cenário, que eu também vivi, em que se tenta maximizar lucros, receitas, formas de ganhar dinheiro. Num cenário de baixas taxas de juro, é ainda mais difícil gerar essas receitas, e daí perder-se a ideia de serviço público e do fundamento da existência de um banco – que é essencialmente guardar e salvaguardar as poupanças.
Como é que se volta a essa ideia de serviço público?
Terá de passar por mais intervenção dos reguladores, infelizmente. Terão de ser criados novos modelos de bancos e de operar no sistema financeiro. Vai ser imposto.
O sistema financeiro internacional aparece muitas vezes associado ao estereótipo dos yuppies, com muito dinheiro, drogas, mulheres. Isso chegou a acontecer em Portugal?
Quando trabalhava na banca era muito mais chato (risos). Nós nunca tivemos esse tipo de comportamento. Quando trabalhei fora notei que algumas pessoas em Nova Iorque e em Londres tinham essas condutas. Era uma consequência de pessoas muito novas terem muito dinheiro de um momento para o outro, e de não saberem muito bem como é que o tinham ganho. Cá passámos ao lado disso porque nunca se geraram na banca de investimento receitas como as de Londres ou Nova Iorque.
Que avaliação faz do caso BES? Foi uma falha de regulação ou de gestão?
Acredito piamente que uma instituição tem de ser auto-regulável. Foi na auto-regulação, no governance interno, que as coisas claramente falharam. De repente o banco e os clientes estavam expostos a uma série de riscos a que não deveriam estar expostos. O governance interno devia ter percebido atempadamente que a única forma de continuar era recorrer à ajuda estatal e não insistir em aumentos de capital forçados, em estruturas complexas. Se por um lado mantiveram a família dentro do banco, por outro hipotecaram o futuro da instituição.
Houve ramificações na PT. Foi um exemplo de como se faziam negócios em Portugal?
Portugal são dois países. Há o Portugal de Lisboa, dos grandes negócios, do poder económico e político. Muitos destes negócios eram instigados por este Portugal que vive em Lisboa – sobretudo na década de 90 e nas intervenções dos governos socialistas, que tentaram ter o papel de um governo económico: «comprem isto, façam aquilo». Felizmente existe o outro Portugal, fora de Lisboa, que vive das suas empresas e dos seus empresários, onde há histórias maravilhosas e vontade de fazer coisas de forma diferente.
Uma das consequências do caso BES foi a dos lesados do papel comercial. Como vê esta situação?
Lembro-me de que tive de fazer uma aplicação no BES em Dezembro de 2013, e tinha duas possibilidades: uma era comprar papel comercial da Rioforte, que me dava 4,5% de rendimento, e outra era fazer um depósito a prazo, por 2,75%. As pessoas têm de se perguntar porque é que uma entidade do grupo paga quase o dobro do que paga o banco. Têm de se perguntar e têm de ler.
Mas coloca-se a literacia financeira das pessoas a quem foi vendido esse papel comercial.
Então essas pessoas podem recorrer a alguém que lhes faça esse trabalho. Uma pessoa não pode fazer aplicações das poupanças sem dizer que não quer ler nada, que não quer ver um balanço, que não está interessada. Contrate pessoas que estejam ao pé dela, que leiam e vejam esses balanços. Eu sei que nesta questão tenho mais informação do que outras pessoas, mas há outros campos que não conheço e nesses casos recorro a advogados, a serviços jurídicos. Mas admito que há também um problema do lado da supervisão, quando se anunciou que havia uma provisão para fazer face àquele dinheiro. Criou expectativas. De repente vir dizer que a provisão desapareceu… Há um lado mau para todos.
Mesmo que tenha havido erros por parte de subscritores, deixar arrastar este caso não mina a confiança no sistema bancário?
Haver todos os dias uma manifestação é das coisas piores que podem acontecer. É uma falta de credibilização do próprio sistema. O ideal é que já tivesse sido desenhada uma solução rápida. No fundo o que parece é que a solução vai ser definida nos tribunais, que vão decidir quem é que paga e como vai pagar.
Está por dias a decisão quanto ao Novo Banco. A investida de empresas chinesas é positiva?
Sim. A China vai provavelmente ser um player mundial importantíssimo nos próximos séculos. O facto de estas empresas terem por detrás o Governo chinês torna estes investimentos interessantes do ponto de vista estratégico, tanto para a China como para Portugal. A única coisa importante que me preocupa é que o governance destas sociedades seja muito bem pensado e estabelecido, para não vermos repetidas situações e problemas que já tivemos anteriormente.
O modelo da resolução, com separação de bons e maus activos quando um banco está em dificuldades, é uma boa solução?
Há quem diga que este modelo foi testado para nunca mais ser usado, porque é um modelo difícil, em que os accionistas ficam sem hipótese de fazer nada. É quase como uma expropriação. Acorda-se no dia a seguir e não há nada que se possa fazer. E não sei se for um banco alemão ou francês em dificuldades se vai decidir utilizar o mesmo modelo. Não estou a ver.