A decisão do Governo de Viktor Orban representou o reabrir de uma ferida ainda mal cicatrizada no continente, gerando indignação por parte do Governo de Belgrado – “não viveremos em Auschwitz”, exclamou o primeiro-ministro Aleksandar Vucic – e motivando críticas dos parceiros europeus: “A Europa derrubou os seus muros recentemente, não devemos voltar a erguê-los”, lembrou a porta-voz da Comissão Europeia, Natasha Bertaud. u
Apesar do espanto demonstrado, a nova muralha húngara está longe de ser um caso isolado. Elisabeth Vallet, investigadora da Universidade do Quebeque que em 2014 publicou Fronteiras, Vedações e Muros, concluiu que desde a queda do Muro de Berlim o número de barreiras de segurança a separar países cresceu de 16 para 65, incluindo os que estão ainda em fase de planeamento ou construção.
Na Europa, onde a livre circulação de pessoas nunca conseguiu derrubar barreiras como a que divide turcos e gregos na ilha de Chipre ou partes do muro que separa católicos e protestantes em Belfast, outro membro do antigo bloco comunista optou pela mesma solução para estancar a entrada de migrantes: a Bulgária está prestes a finalizar a vedação que encerrará a sua fronteira com a Turquia, cuja construção começou em Novembro de 2013.
Tapa aqui, destapa ali
O Governo de Sofia sustenta com números o sucesso da sua medida, pois contabilizou em todo o ano de 2014 a entrada de quatro mil migrantes ilegais, quando no ano anterior a mesma fronteira tinha possibilitado a passagem de 14 mil pessoas. O problema, como denuncia o número dois da agência que monitoriza as fronteiras da União Europeia, é que as soluções nacionais não resolvem as dificuldades do bloco face à crise de refugiados. “Em 2012 a segurança foi reforçada ao longo da fronteira da Grécia com a Turquia, incluindo com a construção de uma vedação. O resultado foi o passar da rota para a fronteira com a Bulgária”, explicou Gil Arias Fernández ao New York Times.
Como se constata noutros temas fulcrais para a UE, as decisões dos Governos nacionais dependem mais da opinião pública dos seus países do que na tentativa de encontrar uma posição comum dentro do bloco. E se a hostilidade face aos migrantes tem vindo a crescer nos últimos anos, os governantes tentam mostrar que não estão de braços cruzados: “Se há algo que estes muros têm em comum é o facto de a sua principal missão ser teatral”, defendeu recentemente à AFP Marcello Di Cintio, autor de Muros: Viagens Pelas Barricadas, para quem as fortificações transmitem “uma sensação de segurança e não segurança real”.
Uma opinião que não tem seguidores no Governo que se instalou em Kiev após a queda do pró-russo Viktor Ianukovich. A revolução ucraniana de 2013 não foi bem recebida em Moscovo, cuja resposta incluiu a anexação da Crimeia e o apoio a um movimento separatista que ainda hoje mantém o leste do país a ferro e fogo.
A Ucrânia acusa o vizinho de não apoiar apenas os rebeldes de Donetsk e Lugansk, denunciando Vladimir Putin por enviar tropas e material de guerra para a região em conflito. Apesar dos sucessivos desmentidos do Kremlin, a convicção do Governo de Arseni Iatseniuk é tal que decidiu investir mais de 200 milhões de euros num projecto que pretende encerrar os quase dois mil quilómetros de fronteira com a Rússia.
Mas com uma economia na penúria – o PIB caiu 7% em 2014 e a quebra prevê-se maior para este ano – e sem sequer conseguir controlar mais de 400 quilómetros da fronteira, não espanta que um ano depois do início da construção apenas 10% da obra esteja concluída. A indiferença russa face ao plano mostra que poucos são os que acreditam que a fortificação será alguma vez finalizada, mas Iatseniuk mantém a determinação: “É essencial para prevenir a entrada de terroristas, armas e drogas vindos da Rússia”, disse o primeiro-ministro em Julho. u
Embora o terrorismo referido por Iatseniuk não seja o convencional, pois trata-se de uma nova denúncia da infiltração não assumida por Moscovo, o termo acaba por ser comum às justificações dadas pelos regimes do Médio Oriente e Norte de África, onde o fenómeno das fronteiras fortificadas se tem alastrado com maior velocidade, com pelo menos uma dezena de construções anunciadas no último ano.
Foi essa a solução encontrada pelo Governo tunisino quando descobriu que o jovem nacional que matou 38 pessoas numa praia de Sousse havia sido treinado na Líbia. Como o velho vizinho se tornou uma espécie de abrigo seguro para grupos jihadistas desde a queda de Muammar Khadafi, os tunisinos apostam em deixar o terror do outro lado da fronteira, criando uma barreira em parte da linha de 500 quilómetros que separa os dois países.
Atento ao fenómeno está também Abdel Fattah el-Sisi, o militar que assumiu os comandos do Egipto após uma breve e conturbada experiência democrática que colocara no poder a Irmandade Muçulmana de Mohammed Morsi. Ameaçada pelos apoiantes de Morsi e por grupos fundamentalistas – como o Estado Islâmico (EI) no deserto do Sinai –, a junta militar de el-Sisi tem centrado parte da sua consolidação no poder no fortalecimento das fronteiras.
Começou no pequeno trecho que junta o Sinai e a Faixa de Gaza, local que já serviu para abastecer o pequeno território palestiniano durante o bloqueio israelita. Depois de ver postos militares atacados por grupos ligados ao EI, el-Sisi ordenou a construção de um muro de cimento ao longo da fronteira, ignorando as difíceis relações entre o poder local do Hamas e o grupo que pretende estabelecer um califado na região.
Tecnologia no lugar do cimento
E enquanto não consegue formar a coligação regional com que pretende acabar com o caos na Líbia, o líder egípcio iniciou o processo de fortificar a fronteira entre os dois países, que inclui a compra aos EUA de um sistema tecnológico que permite detectar movimentos numa extensa área de deserto.
A característica tecnológica, que para além dos óbvios benefícios em matéria de vigilância têm a vantagem de impedir que os regimes árabes sejam acusados de estar a imitar o velho inimigo israelita, será comum a vários dos novos ‘muros’ do Médio Oriente. Especialmente nos regimes ondes os governantes não conhecem restrições financeiras: “O que está a ser construído na nossa fronteira com o Iémen é uma espécie de monitor, que pretende prevenir infiltrações e contrabando. De forma alguma se assemelhará a um muro”, garantiu Talal Anqawi, o líder da força fronteiriça da Arábia Saudita.
A principal potência sunita da região teme mais do que ninguém a ascensão dos seus ‘irmãos’ fundamentalistas do Estado Islâmico, que nunca esconderam o objectivo de chegar ao reino das cidades sagradas de Meca e Medina. A estrutura de 1.800 quilómetros que está a ser erguida na passagem para o Iémen será acompanhada por um reforço da barreira construída no ano passado na fronteira com o Iraque, quando os combatentes do EI tomaram o controlo de vastas áreas do país vizinho. O plano, que tem um u custo final estimado em mais de 35 mil milhões de euros, inclui ainda a fortificação das fronteiras com a Jordânia, Kuwait, Qatar e Emirados Árabes Unidos, fazendo com que Omã se torne o único dos sete vizinhos sem uma separação física com a Arábia Saudita.
Segundo a Janes, publicação especializada em assuntos de Defesa, as barreiras sauditas nas fronteiras do Norte – onde a ameça do EI é maior – incluem 78 torres de monitorização, oito centros de comando, 10 drones para missões de vigilância, 32 centros de resposta rápida e três esquadrões de intervenção rápida.
O que não consta do plano é uma “porta grande e muito bonita”, como a que o candidato a Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, promete enfeitar o muro que construirá ao longo dos mais de três mil quilómetros da fronteira com o México caso chegue à Casa Branca em 2017. O mais radical dos candidatos republicanos à sucessão de Barack Obama tem centrado a sua campanha no combate à imigração ilegal e pretende fortalecer uma vedação que já se alastra por mais de 500 quilómetros depois de ter começado a ser construída em 2006, por ordem de George W. Bush.
Caso seja finalizada, a estrutura ultrapassará em comprimento a barreira de areia de 2.700 quilómetros que começou a ser erguida pelo Estado marroquino em 1981 para isolar os rebeldes da Frente Polisário que reclamam independência para a região do Saara Ocidental.
Já em termos de longevidade será difícil bater o recorde da vedação que separa o Norte e o Sul da Península da Coreia desde 1958. O paralelo 38 é uma faixa com quatro quilómetros de largura que apesar de ter sido estabelecida como zona desmilitarizada, no tratado que acabou com a guerra em 1953, é tida como a fronteira mais fortificada do mundo.
A especialista Elisabeth Vallet considera que “construir e manter um muro fronteiriço é mais caro do que a maior parte das economias consegue aguentar” e por isso acredita que “mais tarde ou mais cedo, todos os muros acabarão por ruir”. O exemplo coreano contraria a sua teoria: resistiu ao fim da União Soviética e à queda do Muro de Berlim e continua a resistir à pobreza extrema imposta no Norte pelo mais isolado de todos os regimes.