A Polícia acredita que o construtor civil, que vive nesta vila do concelho de Sesimbra há mais de 40 anos, terá agido por impulso naquele dia. A intenção, porém, estava há muito anunciada. “Ele chegou a dizer-me que não ia morrer sem ‘limpar’ esta família”, contou ao SOL um amigo e morador na Quinta do Conde que não quer ser identificado.
Na rua Alexandre Herculano, os vizinhos conheciam bem o carácter do construtor civil, que depois do massacre fez uma tentativa de suicídio falhada. “O sr. Rogério tinha uma vida sossegada, mas com qualquer problema vinha logo ‘espingardar’”, admite o homem, que o conhece há mais de uma dezena de anos e para quem o massacre era uma tragédia anunciada.
Os desentendimentos com o vizinho da moradia branca na esquina desta rua de casas baixas – António José Pereira, de 52 anos – eram profundos e arrastavam-se há mais de uma década. Começaram por causa do antigo cão do agente – que quando morreu foi substituído pela atual cadela – e nunca mais pararam de aumentar. António Pereira, recrutado da PSP para ser motorista do gabinete do primeiro-ministro, chegou a apresentar duas queixas contra o homicida: uma em 2005 e outra em 2011. Na primeira, o construtor civil foi condenado a pagar uma indemnização por ter agredido o PSP com um martelo na cabeça. A segunda foi feita há quatro anos, por injúrias, mas os vizinhos falam em agressões. “O sr. Rogério chegou a pedir-me que fosse sua testemunha porque o agente lhe dera um murro e partira os óculos, mas recusei porque não assisti a nada”, conta ao SOL Sérgio Soares, de 42 anos, que vive na casa amarela mesmo em frente da do homicida e que também estaria na sua mira. “Já nessa altura, ele dizia alto que ia matar o PSP”, recorda o vizinho, lembrando que as trocas de palavras entre os dois eram frequentes.
No sábado dia 29, o construtor civil acabou mesmo por abater o agente a tiros de caçadeira, quando o PSP descarregava o seu carro em frente a casa. O filho, Diogo, que aos 23 anos estudava no Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL) e fora aluno do Colégio Militar, foi baleado logo a seguir quando veio em socorro do pai. “A mulher e a filha do PSP só escaparam às balas porque não saíram de casa”, conta um outro vizinho.
Um ‘self made man’ que fez fortuna na construção
Rogério Coelho e a mulher, Fernanda, foram dos primeiros moradores da Alexandre Herculano, uma rua de pequenas moradias brancas e amarelas, cravada de postes de electricidade, transversal à avenida principal da Quinta do Conde. “Vivo aqui há 42 anos e ele já cá estava”, recorda Sílvia Gonçalves, acrescentando que o vizinho, que hoje está reformado, “fez aqui muitas vivendas” e sempre foi simpático.
Rogério faz parte de um grupo de construtores que, a partir da década de 70, fizeram crescer a Quinta do Conde. Foi ele que ergueu várias dezenas de moradias, casas geminadas e prédios baixos na vila. É ainda proprietário de uma dezena de imóveis e lojas, segundo confirmou o SOL junto de um especialista imobiliário da região.
Fez fortuna no ramo. Nasceu no Alentejo, na região de Alcácer do Sal, mas foi em Setúbal que começou na construção civil. “Trabalhou ali muito tempo, por conta de outrem, mas depois foi para o estrangeiro e trabalhou em vários países árabes”, conta um antigo amigo, que se incompatibilizou com ele há uns anos por causa de um negócio. “Era um fura-vidas e trabalhou a vida inteira para dar à família algum desafogo”.
Nos últimos tempos, apesar de reformado, continuou a dirigir as obras de várias moradias, contratando mão de obra entre os vizinhos e vivendo da sua venda ou aluguer. Junto à farmácia, tem andares e lojas arrendadas: uma que vende rações, outra de telecomunicações e o cabeleireiro de Luís Castro, seu inquilino há 16 anos e onde ia pontualmente recolher a renda no dia 10 de cada mês.
Parte dos negócios envolviam também a única filha, Fernanda, que sempre viveu no primeiro andar da moradia dos pais, com o filho, de 15 anos, e a filha Liliana, de 21, ex-concorrente do programa Casa dos Segredos, de quem o avó muito se orgulha. Desde 2004 que Fernanda, conhecida por ‘Bia’, era sócia de uma empresa de planeamento de projetos de construção civil na Quinta do Conde, através da qual vendia os imóveis construídos pelo pai. Abandonou a empresa em Maio deste ano.
‘Gabarolas’ e conflituoso
Na vila, Rogério Coelho é bem conhecido. Homem de estatura baixa, magro, careca e de óculos, gostava de petiscar pelos cafés e de contar histórias antigas. “Cumpria o ditado: ‘Homem pequenino, ou velhaco ou dançarino’”, comenta o mesmo amigo que com ele gostava de fazer almoçaradas, regadas a vinho tinto. “É bem disposto, mas também um gabarolas. Se nos pagava um copo, ia dizer depois que fora ele que oferecera. Por isso, comigo era assim: umas vezes pagava ele outras eu”, remata.
Nas investidas aos cafés, o construtor ia sempre sozinho, sem a mulher. E ali onde era conhecido recorda-se algumas vezes em que revelou um carácter conflituoso. “Uma pessoa que costumava caçar com ele há muitos anos disse-me que, um dia, discutiram e o sr. Rogério disparou-lhe um tiro na marmita, dizendo: ‘isto é para não levares tu’”, conta ao SOL.
António Monteiro, de 78 anos, estava com Rogério todos os dias e ainda lhe custa a acreditar no que aconteceu. “Vinha ver-me todos os dias e fazíamos um petisco à hora do lanche: um pão com chouriço ou uma sanduíche de fiambre”, recorda o amigo, que trabalha na funerária da Quinta do Conde e tratou do enterro de uma das vítimas de Rogério – Nuno Anes, o militar da GNR com 25 anos, abatido com um tiro na nuca quando socorria as outras duas vítimas. “Fez asneira em tudo”, lamenta o amigo que não teve coragem sequer de passar na rua do massacre.
‘Estamos destroçados’
Monteiro viu Rogério pela última vez na manhã do dia da tragédia. “Estava normal”, garante. Não se sabe o que nessa tarde provocou a gota de água que desencadeou a fúria do construtor e fê-lo carregar a caçadeira com chumbos, balas e zagalotes e disparar a matar.
Pouco antes, mandara a mulher às compras no seu carro e a filha, ‘Bia’, contou à vizinha que o pai a trancou em casa, quando ela o viu a pegar na arma. “Estamos destroçados”, limita-se a dizer ao SOL a filha do homicida, recusando falar à imprensa. No dia seguinte à tragédia, a família saiu da casa onde mora para se isolar da polémica. A moradia está desde então fechada, com os estores corridos.
Para investigar o crime, a Judiciária de Setúbal reforçou as equipas. Desde sábado, fez várias perícias na rua e já começou a entrevistar testemunhas. Rogério Coelho já foi interrogado por um juiz e está desde quinta-feira em prisão preventiva.