Foram sete anos de luta para Ana Matos conseguir realizar o sonho de ser mãe. Uma caminhada longa e dura, mas garante que nunca quis desistir: «Quase que já era uma teimosia».
O desafio começou pouco tempo depois de se casar com Paulo, em maio de 2001. Tinha 27 anos e rapidamente engravidou, mas perdeu o bebé, com cerca de oito semanas, no início de 2002. E este foi apenas o primeiro dos três abortos seguidos que teve até junho. De outubro de 2002 ao início de 2004, o casal fez várias consultas e exames, entre os quais ecografias, espermogramas, análises hormonais, genéticas e cromossómicas. Mas nada apresentava alterações.
O ‘calvário’, porém, começou em fevereiro. O obstetra encaminhou-os para uma consulta de fertilidade e voltaram a fazer mais exames, alguns deles, desta vez, mais específicos. Depois de uma laparoscopia para laquear uma trompa, por apresentar quistos, de agosto de 2004 a maio de 2005, fez várias injeções «para preparar o sistema reprodutivo» para depois passar à fertilização in vitro.
Durante estes três anos em exames exaustivos, Ana explica que sempre tentou engravidar, ainda que tenha sido difícil manter o lado ‘mais natural’ das relações sexuais. «Era quase mecânico, com dia e hora marcada, e essa parte é muito frustrante para um casal. Mas nós, com muito humor, conseguimos ultrapassar». Um pensamento positivo que conseguiu sempre manter. «Estava curiosa em perceber qual era o obstáculo. Emocionalmente, estava bem, excepto quando tinha de levar injeções, porque tenho fobia de agulhas», conta entre risos.
Ana levou esta fobia ao limite. Quando fez a primeira fertilização in vitro, levou 72 injeções num mês para estimular a ovulação. Dos 22 óvulos colhidos, conseguiu 16 embriões, mas acabaram por ser todos congelados porque foi internada de urgência. «Fiz uma hiperestimulação. Imaginemos uma banheira, onde vamos pondo espuma, que vai fazendo bolhinhas, e depois vamos aspirá-las. Mas esqueceram-se de pôr o travão. Ligaram o turbo da banheira, aquilo continuou a crescer e não se retirou», explica Ana.
Os embriões foram depois transferidos para o útero em três ocasiões: outubro de 2005, janeiro e abril de 2006. Mas nenhum resultou em gravidez. Já na altura, apercebeu-se que algo não estava bem. «Na clínica, pedi várias vezes para fazerem um diagnóstico genético aos embriões, mas diziam que não havia forma de o fazer porque não tínhamos indícios para isso”. Em julho desse ano, foi submetida a mais uma intervenção cirúrgica, onde lhe foram retirados a trompa e o ovário esquerdos.
Embriões ‘cromossomicamente anormais’
Em fevereiro de 2007, decidiu mudar de médico. Recorreu à clínica IVI Lisboa e recomeçou ‘a dança’. Fez novamente uma estimulação ovárica, mas mais controlada que a anterior. «Tivemos cinco embriões viáveis, que aguardámos até terem três/quatro dias de vida para fazer o diagnóstico genético», afirma Ana.
Segundo um documento disponibilizado no site do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA), o diagnóstico genético pré-implantação (DGPI) é «o conjunto de técnicas usadas para a deteção de uma alteração genética específica (génica ou cromossómica) num embrião, antes da sua transferência para o útero, ou num ovócito, em situação de alto risco de transmissão de uma doença genética à descendência».
Muitas vezes, quando os embriões têm anomalias cromossómicas, as mulheres sofrem abortos, como explica Sérgio Reis Soares, diretor da IVI Lisboa. «O óvulo e o espermatozoide são as únicas células no ser humano que têm 23 cromossomas. O embrião, para ter potencial de implantação e desenvolvimento, tem de ter 46 cromossomas (23+23). Na espécie humana, 35% a 40% dos embriões são cromossomicamente anormais, por isso é que o aborto é tão frequente. Mas há casais que têm uma percentagem ainda mais elevada».
É o CNPMA quem regulamenta esta técnica, isto é, as clínica autorizadas a fazerem um DGPI têm de contactar o organismo para que o caso seja analisado e, posteriormente, aprovado ou recusado para a utilização da técnica.
O DGPI realiza-se depois de os exames médicos feitos à mulher e ao homem não indicarem nenhum problema, e após vários ciclos de fertilização in vitro que não resultaram. São retiradas duas ou três células de um embrião para análise e congela-se o desenvolvimento do mesmo no laboratório. «Se este núcleo tem os 46 cromossomas que devia ter, assumimos que as restantes células do embrião também têm um número adequado. Se esse núcleo não tem, inferimos com um altíssimo grau de certeza que o resto do embrião também não tem e está descartado. Passa-se assim a colocar na cavidade uterina aqueles que estão saudáveis», explica o especialista.
Foi precisamente este o caso de Ana e Paulo Matos. Em março de 2007, foi feita a transferência de um embrião saudável, mas que não resultou em gravidez. Fizeram uma nova tentativa em junho e, no dia de Santo António, foram transferidos dois embriões, um rapaz e uma rapariga, mas apenas um sobreviveu. Catarina nasceu a 19 de fevereiro de 2008. Ana tinha, na altura, 34 anos.
Estabilidade emocional nos casos de infertilidade
Este tipo de infertilidade, porém, não é muito comum. Segundo o especialista da IVI, corresponde a menos de 10% dos problemas dos casais inférteis. Ainda assim, as alterações cromossómicas tornam-se mais recorrentes à medida que a idade da mulher vai aumentando. Um problema que leva, no mínimo, entre três a quatro anos, desde que o casal para de utilizar métodos contraceptivos até ser identificado o problema.
Os problemas de fertilidade podem levar a um desgaste emocional e psicológico do casal e a estabilidade emocional, destaca Sérgio Reis Soares, é tão importante quanto identificar a causa da infertilidade. «Há casais a viver um desgaste tão grande nos primeiros anos que no momento em que se estão aproximar de uma solução, a energia ficou toda para trás», acrescenta.
Ana Galhardo, psicóloga na Associação Portuguesa de Fertilidade, afirma que há casos em que são os médicos a encaminhar os casais a uma consulta de psicologia. Assim como há aqueles que, de livre e espontânea vontade, procuram ajuda para enfrentar este processo. E ainda quem consiga enfrentar esta questão sozinho. «É mais natural os casais procurarem ajuda quando existe um tratamento que falhou. É o contacto com uma realidade que não esperavam e o ter de lidar com o fracasso, que faz com as pessoas se apercebam do impacto psicológico que isto está a ter», explica a psicóloga.
Os sintomas mais típicos são a ansiedade, a depressão, passando pela culpa e pela vergonha. «As pessoas não crescem a pensar que vão ter um problema de fertilidade. Acham que é algo garantido.»
Mas apesar dos dissabores, muitos casais, diz a especialista, saem com uma relação fortalecida. Ana garante que foi o seu caso: «O Paulo e eu unimo-nos ainda mais, até porque a vontade de ter filhos era dos dois».
Tratamentos em hospitais públicos
Se os tratamentos para a infertilidade em clínicas privadas não são acessíveis ao bolso de todos, a questão agrava-se no caso dos casais que têm de fazer um DGPI. «O custo de uma fecundação in vitro ronda entre os 3000 e os 5000 euros, sendo que com este exame acresce 30%», afirma Sérgio Reis Soares. Ana Matos explica que, no seu caso, gastou cerca de 45 mil euros, ao longo de sete anos. «Chegámos a ir para a farmácia e gastar cerca de 1000 euros de uma só vez», acrescenta.
Muitos optam assim por recorrer ao Estado para terem filhos e assim poderem gozar de isenção nos tratamentos. Contudo, «o Estado não paga técnicas de procriação medicamente assistida a casais, cuja mulher tenha mais de 40 anos», explica Graça Pinto, especialista na Unidade de Medicina de Reprodução do Serviço de Ginecologia da Maternidade Dr. Alfredo da Costa (MAC).
No caso do DGPI, apesar da MAC ter possibilidade de biopsiar os embriões, só o Hospital de S. João, no Porto, é que faz estes diagnósticos. Por esta razão, explica a diretora da Unidade de Medicina da Reprodução do Hospital de S. João, a lista de espera é grande, sendo que para a primeira consulta são cerca de seis meses.
«O DGPI é feito quando há uma doença genética identificada, quando há alterações cromossómicas que possam condicionar alterações genéticas na descendência e para arranjar embriões compatíveis para crianças com doenças. Se forem abortos de repetição associados a alterações cromossómicas também fazemos», explica Sónia Oliveira e Sousa, referindo que, por ano, são feitos cerca de 60 tratamentos.
Apesar de ter recorrido ao sector privado, Ana Matos garante que foi «o dinheiro mais bem gasto até hoje». E nem as tormentas que passaram ao longo de sete anos fizeram com o que casal quisesse ficar por aqui. Um ano depois de Catarina ter nascido, decidiram ter outro filho. Uma vez que o percurso anterior tinha sido penoso e a idade de Ana não era a mesma, o médico desaconselhou-os a fazer novos tratamentos. «A probabilidade de conseguir engravidar naturalmente era muito baixa, então deixámos de usar métodos contracetivos. Três anos depois, comecei a engordar e quando descobri, já estava grávida de três meses», relembra Ana. Sofia nasceu a 29 de Novembro de 2011, sem qualquer problema genético. «Um bebé perfeito», afirma a mãe, tal como a irmã.
rita.porto@sol.pt