A greve de fome vale a pena?

Eurico Figueiredo, cabeça de lista pelo Partido da Terra, e outros portugueses que aderiram a este tipo de protesto dizem ter conseguido os seus objetivos: fazer greve de fome garante cobertura mediática e pressiona o Estado a agir.

Eurico Figueiredo interrompeu a sua terceira greve da fome no domingo para poder participar na campanha eleitoral para as eleições legislativas pelo Partido da Terra, onde é cabeça de lista pelo Porto. Apesar disso, garante que o protesto de quatro dias foi “uma arma extraordinária” para alertar o país para a prepotência do Estado. Como ele, outros portugueses que têm aderido a este tipo de manifestação garantem que foi uma forma eficaz de alertar para os seus problemas.

Com quatro quilos a menos na balança, o político e psiquiatra de 76 anos garante que com esta greve conseguiu atingir o seu objetivo: chamar a atenção para “o Estado delinquente” que “despreza os cidadãos e os seus direitos”. O mesmo Estado que lhe penhorou as contas por uma dívida de 75 mil euros, “que afinal foi um engano da Segurança Social”. E se os bancos lhe desbloquearam as contas, o Estado está a dever-lhe, “há um ano, mais de três mil euros” indevidamente cobrados.

“A greve foi a melhor solução que encontrei, mas no meu caso não é inédita” – conta Eurico Figueiredo que, em 1962, na Cidade Universitária de Lisboa, juntamente com outros 30 estudantes, contestou o regime fazendo uma greve da fome que lhe valeu a prisão. Voltaria a esta forma de manifestação em 1994, para defender a manutenção das gravuras rupestres de Foz Coa. “Foi uma ação simbólica no dia do casamento de Duarte Nuno de Bragança e ele foi o primeiro a solidarizar-se com essa greve”, recorda o político, que iniciou na segunda-feira, dia 14, no Porto as suas ações de campanha. “Há milhares de portugueses que, como eu, foram vítimas do Estado e não se podem queixar”, diz, referindo que estas ações garantem sempre visibilidade mediática.

‘Foi doloroso’

João Martins, de 45 anos, também não tem dúvidas: se não se tivesse acorrentado ao portão da escola e iniciado uma greve da fome, o seu filho mais velho teria sido transferido para um agrupamento fora do concelho de Loulé como aconteceu a outros alunos. “Foi um ato desesperado, mas valeu a pena: a greve foi fulcral pelo impacto que causou”, explica o professor universitário de sociologia que, em Setembro de 2013 e durante quase duas semanas, liderou vários protestos em frente à escola n.º 4 do Agrupamento Padre João Cabanita.

A dois dias de o filho mais velho começar as aulas no 3.º ano, foi informado de que a criança fora colocada numa turma do 4.º ano. “A turma do 3.º ano tinha apenas 12 alunos, mas a escola tinha instruções para colocar alunos em turmas mistas”, recorda o pai que ainda hoje fica estupefacto com o “terrorismo pedagógico” desta decisão.

O professor universitário não desarmou. Organizou manifestações, acampou à porta da escola e iniciou uma greve de fome de sete dias, que foi interrompida quando pensou que o problema estava resolvido. Mas quando percebeu que o processo continuava ainda num impasse, retomou o protesto. “Estar vários dias apenas a água foi doloroso. Tinha uma sensação de desfalecimento progressivo”, recorda. Mais duras foram as sequelas psicológicas e o estigma de ter avançado para essa luta. Foi olhado de soslaio pelos colegas e conhecidos e até recebeu ameaças. “Houve efeitos perversos. Pensaram que era maluco por reclamar contra a escola”.

Ao fim de quase duas semanas de luta, ganhou a batalha: o filho foi colocado na turma do 3.º ano e acabou no quadro de honra com as melhores notas da sala.

Pressionar o Governo

Para Eduardo Jorge, tetraplégico depois de um despiste de carro em 1991, a greve de fome foi uma estratégia importante para alertar o Governo e a sociedade para o “internamento compulsivo” de deficientes em lares. Deitado numa cama colocada em frente aos degraus do Parlamento, o ativista fez, há dois anos, um dia em protesto, reclamando o direito a apoios para ter uma vida independente. “Custou-me muito a exposição como um objeto, mas aquilo que defendo é fundamental para a vida de muitos deficientes”, diz o antigo gerente de restaurante, de 53 anos, que reclama um modelo de auxílio em que o Estado financie diretamente o deficiente para contratar ajuda, em vez de subsidiar a instituição que o acolhe. Mal iniciou a greve de fome, foi recebido pelo secretário de Estado da Solidariedade e Segurança Social que lhe prometeu uma lei de apoios aos deficientes para que estes possam viver nas suas próprias casas.

Dois anos depois, a falta de legislação mantém-se, mas o alerta de Eduardo Jorge deu frutos: a Câmara Municipal de Lisboa vai lançar, em breve, o primeiro projeto-piloto de vida independente para deficientes “Mas é só em Lisboa. É preciso continuar a lutar”, diz Eduardo, que em agosto foi obrigado a abandonar a sua casa na Concavada, Abrantes, e foi institucionalizado num lar, por falta de resposta domiciliária para o seu caso. Está agora a ajudar o movimento Deficientes Indignados a preparar uma manifestação para amanhã em frente ao Parlamento.

A greve de fome de Élia Ferreira nas escadarias da Assembleia da República, em agosto do ano passado, também alertou o país para o processo de rescisões amigáveis prometido pelo Governo aos docentes – que terá permitido a mais de 1.500 abandonarem a profissão com uma compensação do Estado.

“Foi eficaz. Chamou a atenção dos media e pressionou o Governo a dar-nos uma resposta, mas a minha proposta de rescisão acabou por não ser aceite”, diz a professora de inglês de 60 anos, que se candidatara ao programa em dezembro de 2013 e em agosto do ano passado continuava à espera de resposta. Por isso, decidiu avançar com a greve. “Foi duro e não sabia se ia aguentar. Dormia num saco cama, nos degraus da escadaria”, conta a docente do Agrupamento de Penacova. Poucos dias depois do protesto, o Ministério da Educação anunciava as primeiras rescisões.

joana.f.costa@sol.pt