Diabos à solta na Catalunha

Já se sabia há muito tempo que os catalães não apreciam a pertença a Espanha, nem comungam do nacionalismo centrista e exacerbado castelhano. Como se sabia que Madrid, como faz um pouco com o País Basco, manda chusmas de ‘espanhóis’ antinacionalistas (guardas-civis e funcionários públicos em geral) para lá, de modo a minorar a população…

Como se sabia que jogos importantes no Estádio do Barcelona, em que aparecem grandes equipas castelhanas ou figuras nacionais (como membros da família real, na Taça do Rei), implicam normalmente a distribuição de uma quantidade grande de bilhetes por espanhóis, sobretudo guardas civis ali em serviço, para atenuarem as atitudes hostis e os apupos aos símbolos nacionais.

Mas também se sabia que, entre os dirigentes, tanto de Madrid como da Catalunha (em que tem predominado o Partido Nacionalista Catalão) havia uma intenção de manter controlados estes instintos independentistas (que sobressaem sobretudo numa certa antipatia dos locais perante castelhanos devidamente identificados, ou em decisões nacionalistas de ensino, etc.). O problema é a tal história de ‘casa em que não há pão, todos ralham e ninguém tem razão’. Perante a crise, os catalães quiseram diminuir a quantidade de dinheiro que vai da sua região rica para o resto de Espanha menos rico (só para se saber, adianta-se que o País Basco, talvez por causa do terrorismo da ETA, fica com a prática totalidade dos seus impostos). Isto num clima pacífico, porque o terrorismo catalão há muito se calou.

No entanto, o Governo de Rajoy, no que hoje surge claramente como grossa asneira, recusou qualquer diálogo sobre a matéria (tanto mais que toda a Espanha atravessava um período de forte austeridade, por causa da crise financeira internacional).

Ora o líder do Partido Nacionalista Catalão e do Governo Autonómico, Artur Más, para fazer frente ao imbróglio, soltou uns diabos (os da independência), cujos efeitos ele na altura talvez não medisse. Porque os nacionalistas catalães, embora de aspirações independentistas, e pouco afins aos nacionalismos castelhanos, são a alta e média burguesias locais, que gostam de fazer os seus negócios sem instabilidades desnecessárias. Só que soltados os diabos, ninguém já os consegue controlar. Nem Más, pelo lado catalão, nem Rajoy (que acordou tarde para a disponibilidade de diálogo). Algumas esperanças chegaram a virar-se para a Família Real: Mas D. Juan Carlos, que estava na altura afundado no escândalo do Botswana, ainda abdicou, mas o filho não conseguiu impor-se no assunto (tanto mais que a mana amada em Barcelona, Cristina, também apareceu atolada em negócios ínvios).

Parece que agora a única esperança reside no eventual afastamento de Más, como consequência das eleições de ontem (em que se afirmaram forças um tanto mais radicais), e também de Rajoy (nas gerais de Espanha previstas para Novembro). Mas ainda não é certo o resultado das gerais. E os diabos andam à solta e descontrolados.

Nisto tudo, sobra-me esta dúvida: porque é que tanta gente por cá e na Europa se enfada com os independentistas catalães? Por cá, duvido que muitos quisessem voltar a sentir a pata castelhana por cima. E, na Europa, souberam instigar recentemente independências menos democraticamente pedidas, e muito mais incendiárias (lembram-se dos Balcãs?). Insisto só neste ponto: preferem que os catalães passem da linguagem democrática à terrorista? E alentar o terrorismo basco com a ideia de que as aspirações democráticas não são satisfeitas? Até acredito que certas mentes retorcidas o queiram, só para atrasar a independência. Não é o meu caso.