Desde que Friedrich Ebert e Gustav Noske se aliaram aos Corpos Francos para esmagar os spartakistas em Berlim e depois das versões anticomunistas da Guerra Fria e das terceiras vias blairianas, o espanto perante um socialista que acredita no socialismo e na ideologia socialista não pode deixar de ser legítimo.
O triunfo deste sexagenário com ar de professor do liceu, incompreendido e bondoso, não pode ser reduzido à constatação de que com ele o Labour vai ficar fora do governo muitos anos. E vai.
O fenómeno é mais fundo. Do outro lado do Atlântico e da política, Donald Trump, um bilionário convencido e básico, foi aparecendo à cabeça dos republicanos. Embora o debate de 16 de Setembro tenha mostrado as suas fragilidades, é extraordinário o que conseguiu e consegue.
Corbyn e Trump têm poucas hipóteses de se acharem um dia à frente dos destinos da Grã-Bretanha ou dos Estados Unidos, mas muitas de virem a ser os coveiros do Partido Trabalhista e do Partido Republicano, caso cheguem à final eleitoral.
Um verdadeiro programa de esquerda – socialista, pacifista, neutralista – só muito dificilmente vencerá uma eleição geral na Grã-Bretanha. E Trump, com os seus tiques de homem rico e arrogante, com as suas contradições ideológicas (é pro-choice, o que lhe retira o apoio da direita religiosa) e os seus propósitos contra os ‘latinos’ (cerca de 50 milhões de cidadãos norte-americanos) só vai garantir a vitória do candidato democrático, se for o escolhido pelo partido ou se se candidatar como ‘independente’.
Como explicar então, não tanto as aspirações de Corbyn e Trump, mas o apoio que encontram?
A principal razão é que eles, bem ou mal, radical ou estupidamente, falam de política. Saem da ladainha que desde o fim da Guerra Fria reduziu a política, nem sequer à economia, mas à gestão da economia. Corbyn, com o seu regresso à ideologia socialista, e Trump, com as suas tiradas brutais contra os imigrantes ou os seus comentários machistas, abandonam a regra da cautela e do assepticismo ideológico, a correção política do centrão de que muitos se fartaram.
No fundo, noutra dimensão e a outro nível, é também esta a razão pela qual a Frente Nacional é o primeiro partido de França, o Syriza e o Podemos nasceram e cresceram na Grécia e em Espanha e até o palhaço Beppe Grilo perturba a política italiana.
Em parte, é também esta a razão do sucesso dos separatismos catalão e escocês e dos partidos identitários da Escandinávia e da Europa Oriental e da grande popularidade de Putin, apesar dos problemas da economia russa e das sanções europeias.
É que todos eles se ocupam – ou parecem ocupar-se da política. Não a reduzem à gestão da economia, à resignada subordinação aos mercados. Pode até ser só isso, a política, o que lhes dá importância.