Termos Ricardo Araújo Pereira, José Diogo Quintela e Miguel Góis a escrever diariamente sobre a campanha eleitoral é um luxo a que nos temos vindo a habituar desde o célebre Gato Fedorento Esmiúça os Sufrágios (dessa vez com Tiago Dores). Na verdade, e apesar de resmungos de fãs insaciáveis, o que salva a campanha eleitoral, qualquer uma, são os comentários ao que vai acontecendo, que, francamente, tem muito pouco interesse. O programa diário na TVI Isso é Muito Bonito, Mas… é uma demonstração de talento e de generosidade, na medida em que oferece a quem assiste muito mais do que a reprodução de factos noticiosos. Tenho pena por isso que Pedro Passos Coelho tenha recusado ir ao programa. Quem está no poder luta para o preservar e quem tem de correr é aquele que o quer para si, neste caso, António Costa. Mas ainda assim podia ter aceitado o convite. Poderia assim chegar a pessoas que não pensam sequer em votar. Foi uma oportunidade perdida.
Toda a gente
A propósito da visita do Papa aos Estados Unidos, um artigo no Washington Post tenta descrever o que leva pessoas de partidos opostos, diferentes em ideologia e sensibilidade, a ver em Francisco alguém que acreditam ser compreensivo sobre questões em que até o próprio não acredita, como o aborto, o exemplo mais extremado. O que há neste Papa que faz com que pessoas tão diferentes, à esquerda e à direita, democratas e republicanos, queiram tomar para si algo que lhes parece similar ao que gostariam de ter? Admito que a pergunta é retorcida, mas a situação não é comum. Aqui temos um homem que consegue unir crentes e não crentes e provocar a comoção. Uma das respostas era tão irracional como «mal o vi à janela na Praça de São Pedro, desatei a chorar». O Papa começou por dizer «buona sera» e talvez o mundo afinal só precise da tranquilidade e da alegria das palavras despretensiosas ditas por quem lhes lembra amavelmente que somos todos humanos.
Surpresa onde não há
Começou o Campeonato do Mundo de Rugby, que desta vez se disputa em Inglaterra. Ao mesmo tempo, percebo que há jogos importantes de futebol a decorrer, mas não me interessam como o extraordinário Japão-África do Sul, que terminou com a vitória da equipa nipónica. Ao contrário do que acontece no futebol, apesar de tudo mais imprevisível, o rugby não admite muitas surpresas. Num jogo entre estas duas equipas, a expetativa natural seria a de que a África do Sul, das melhores do mundo, vencesse descontraidamente a equipa contrária. O Japão ter ganho é tão estranho como um gato falar ou a ViaCTT enviar um telegrama amoroso. É quase tão improvável como a Nova Zelândia estar a perder com a Argentina, apesar de os Pumas serem fortes candidatos a ocupar os primeiros lugares do pódio. Este elemento de surpresa não é comum num jogo que já está ‘feito’ à partida pelas diferentes equipas, apesar da mudança natural de jogadores. É uma excelente novidade.
A jóia do mês
Já começou o novo ano televisivo e com ele as novas séries que ameaçam a doce rotina de assistir a uma, duas séries durante o deserto televisivo estival. No canal TV Séries, agora associado à HBO, podemos ver um diamante depressivo, vencedor de um Emmy: a minissérie Olive Kitteridge. Uma professora de matemática reformada, interpretada pela vencedora de outro Emmy, Frances McDormand, tenta suicidar-se no primeiro episódio, mas antes de cometer um ato tão definitivo recorda os seus 25 anos de casamento. O marido, interpretado por Richard Jenkins, vencedor de outro Emmy, é um farmacêutico simpático e popular entre os habitantes da pequena cidade onde vivem. É um casamento de pessoas opostas mas singularmente unidas. Se querem mais pormenores, sugiro que vejam esta série difícil de definir. Tem algo de comédia e tem tudo para ser um drama. Não é, porém, nem uma coisa nem a outra. Como se costuma dizer, a soma das partes é maior do que o todo.
O que pode ser
Ahmed Mohamed tem 14 anos e decidiu um dia destes impressionar o professor levando para a escola um relógio que construiu em casa. Isto passou-se nos arredores de Dallas, em Irving, e não correu bem. A engenhoca começou a apitar numa aula e Ahmed foi detido pela polícia por suspeitas de ter uma bomba na mochila. O rapaz de carinha inocente, sorriso bonito, e óculos hipster foi algemado e interrogado durante uma hora e meia por um motivo que há quinze anos seria louvado. A história de Ahmed mostra o nível de paranóia a que se chegou. Não ter sido fácil para a polícia perceber que se tratava de um relógio é preocupante. Não deveriam já ter acesso a detetores de metais sofisticados que permitissem distinguir invenções inocentes de armas mortíferas? Felizmente, depois de tudo ter corrido mal, Mark Zuckerberg e Barack Obama manifestaram vontade em conhecer este jovem inventor. Propostas para frequentar Harvard e o MIT seguiram-se. Boa sorte, Ahmed.