A Paróquia de São Nicolau tinha tudo para ser uma “paróquia estagnada” e uma daquelas que o Papa pediu aos bispos portugueses para mudar. Mas apesar de estar no coração envelhecido da cidade – onde não há sequer gente para ir à igreja -, é uma das mais dinâmicas de Lisboa. Aqui, há padres a confessar a toda a hora, em português e inglês (uma vez por mês durante toda a noite), jovens que distribuem refeições aos sem-abrigo ou animam os lares, e uma capela que nalguns dias está aberta 24 horas e onde há sempre alguém a rezar.
“Não há a debandada de jovens de que o Papa fala. Temos a experiência inversa”, explica o pároco Mário Rui Pedras que impõe o ritmo às dezenas de atividades que aqui trazem pessoas de toda a diocese. Nesta paróquia reúnem-se os universitários da Missão País que percorrem as aldeias desertificadas de Portugal a espalhar a fé católica, as Equipas de Jovens de Nossa Senhora, mas também grupos de namorados que se preparam para o matrimónio ou jovens casais que acabaram de casar.
“Não há aquele modelo de catequese em que as crianças vão fazendo o seu percurso nem grupos de jovens apenas para entreter”, explica o padre de 62 anos. Em São Nicolau, já se abandonou o tipo de catequese que o Papa Francisco criticou quando há dias falou aos bispos portugueses na visita ad limina: aquele que se baseia numa transmissão de “conhecimentos cerebrais” e não num “encontro pessoal com Jesus Cristo”.
Por isso, tão importante como formar os crentes é permitir que estes acedam aos sacramentos da eucaristia (missa) e da confissão.
Mário Rui Pedras diz que a necessidade desta abordagem mais moderna e menos tradicional da Igreja é pastoral mas também sociológica. Ou seja, nesta zona envelhecida da diocese, os paroquianos já não são os residentes que nasceram e cresceram na Baixa “mas qualquer um que passe na rua”. Nomeadamente os turistas – que chegam a ser centenas todos os dias – e que, mesmo quando vão apenas à procura de uma igreja bonita para visitar ou de um banco para descansar, encontram orações na sua língua, voluntários disponíveis para os acolher, e um ambiente de oração permanente.
“A realidade das paróquias já não é geográfica pois a população flutua. Não é uma pastoral estanque”, explica o padre que conta com a colaboração de mais de mais 10 sacerdotes, entre os quais o capelão da Universidade Católica que faz a ponte com o mundo universitário. “Há um sentimento de pertença à paróquia, mas não é exclusivo” – diz, explicando que muitos dos que ali vão à missa ou colaboram nalgum serviço também estão inseridos noutras paróquias e grupos.
Os frutos estão à vista: numa paróquia sem residentes, todos os anos há dezenas de batismos – muitos já de adultos -, de casamentos e, só no ano passado, 72 pessoas receberam o crisma.
Há também um fenómeno raro: sete jovens estão no seminário a estudar para serem padres e outros dois seguiram a vida religiosa. Mário Rui Pedras diz que não é por acaso: na Igreja de São Nicolau todas as semanas se reza pelas vocações e há um acompanhamento personalizado a todos os que querem aprofundar a fé. “A quem quer fazer caminho na fé temos uma proposta concreta a fazer”.
Modelo tradicional no interior
A mais de 350 quilómetros, na paróquia de Alvite, no concelho de Moimenta da Beira, a mensagem cristã que se transmite é a mesma de Lisboa mas a dinâmica pastoral é muito diferente.
Bráulio Carvalho, pároco desta paróquia da Diocese de Lamego, diz que aqui ainda impera o modelo tradicional de organização territorial em que a comunidade se organiza em torno de um sacerdote. Contudo, com a falta de vocações sacerdotais, os padres já têm mais do que uma paróquia a cargo e têm de se desdobrar por vários locais e comunidades, o que reconhece, os faz ter “menos tempo para fazer um acompanhamento personalizado”.
O percurso seguido pelos crentes ainda tende a ser o de antigamente: as crianças são batizadas quando nascem, frequentam a catequese, depois o grupo de jovens e, apesar de já não virem muito à missa na idade adulta, a maioria ainda escolhe casar pela igreja.
“Aqui todas as crianças vão à catequese quando são pequenas. Mas muitas vão-se perdendo ao longo do percurso”, explica Bráulio de Carvalho, que tem 110 crianças e jovens, entre os seis e 16 anos, a frequentar a catequese em Alvite, uma das três paróquias que tem a cargo.
A generalidade das famílias ainda opta por dar uma educação cristã aos filhos, mesmo aquelas em que a prática religiosa é pouco regular. Mas se aos 12 anos a totalidade das crianças do concelho frequenta a igreja, essa percentagem cai para metade quando chegam aos 16 anos. “Além disso, basta ver que a maioria dos pais vem deixar os miúdos à missa ou à catequese e depois fica à sua espera no café”, em vez de participar também.
Na Diocese de Lamego há cerca de 200 paróquias, mas apenas 30 grupos de jovens. Em muitas não há atividades juvenis porque nem sequer há juventude. “Temos paróquias que nem têm jovens nenhuns”, diz o padre que dirige também o departamento diocesano da juventude, que organiza atividades para todos.
Naquelas em que há grupos a funcionar, o abandono mais expressivo ocorre essencialmente após o crisma, reconhece o sacerdote de 39 anos. Uma realidade concreta apontada pelo Papa que pediu aos bispos portugueses para combaterem “o vazio na oferta paroquial de formação cristã juvenil pós-crisma”.
Na origem da debandada estão outros problemas sociais, como a toxicodependência e a emigração, aponta o padre de Trás-os-Montes. Além disso, aos 18 anos, grande parte dos jovens segue para as cidades do litoral, para entrar no ensino superior ou procurar emprego. “Aí, os polos universitários são um bom meio de evangelização”, reconhece.
Diocese promove iniciativas que juntam jovens de todas as paróquias
Perante esta realidade, a Igreja tem feito uma abordagem à juventude mais geral, transpondo as fronteiras das paróquias e propondo atividades comuns a todos os jovens da diocese. Bráulio Carvalho, que lidera também a pastoral juvenil a nível da diocese, diz que esta estratégia tem tido alguns resultados. Por exemplo: encontros diocesanos da juventude que chegam a reunir mais de 800 jovens. O Papa tem pedido aos cristãos para irem para a rua e isso também tem acontecido em Lamego, conta o sacerdote. “Já fizemos experiências de ir de porta em porta falar de Jesus. E as pessoas, que têm os seus problemas, choram ao ser abraçadas e escutadas”, diz Bráulio Carvalho, sublinhando a “importância do olhar e do abraço”. Também os jovens “sentem esta necessidade de ser escutados, compreendidos”, acrescenta este padre que lida mais diretamente com a juventude. “Quando fazemos isso, dá-se o clique”, garante.
Bráulio Carvalho considera ainda que os bispos já estão conscientes de que é preciso apostar no que diz ser “uma pastoral de maior proximidade” e que têm procurado fazer esse caminho.