A frente era ilustrada com o retrato de Francisco Sanches, o mais ilustre dos bracarenses, judeu, médico e filósofo, precursor de Descartes e de Bacon, e grande figura do Renascimento, que tinha por trás uma velha gravura com a planta da cidade muralhada do século XVI.
Mas era o verso, com uma vetusta vista do Largo do Paço – em que já se reconhecia a estrutura urbana actual, com a fonte, a frente de casas e os volumes da cabeceira da Sé –, que mais me encantava.
Naquela época, em que um bitoque custava 50 escudos, 500 escudos era muito dinheiro para um estudante universitário, pelo que foram poucas as vezes que consegui ter uma nota dessas na mão. Mas quando isso sucedia deleitava-me a olhar para a ilustração, a identificar o que ainda sobrava da cidade antiga na urbe de então.
Em primeiro plano via-se nitidamente o belíssimo Chafariz dos Castelos, de 1510, o que situava desde logo a imagem no século XVI ou posterior. Ainda hoje lá continua, o chafariz, bem no centro do largo, embora já sem aquela utilidade de abastecimento de água, onde as mulheres iam encher os cântaros.
Depois surgiam as casas voltadas para a Rua do Souto – que ali toma o nome do arcebispo D. Diogo de Sousa –, com os seus telhados em escada a acompanharem-lhe o ligeiro declive, tendo por trás o zimbório e os recortes das coberturas das capelas da Catedral.
As casas já não eram as mesmas, embora o perfil urbano se mantivesse. E à direita, rematando o plano, a ponta do edifício poente do Paço Arquiepiscopal, mandado erigir no século XVI pelo arcebispo D. Agostinho de Jesus.
Na gravura era ainda visível o varandim virado para a Rua do Souto, de onde, dizem, ele gostava de ver passar as procissões. Mas já não se via a galeria sustentada por colunas que dá ao conjunto o seu tão característico aspecto arcaico.
O ponto de vista situava-se no edifício norte, mandado edificar pelo arcebispo D. Rodrigo de Moura Teles no século XVIII. Talvez por isso a minha grande empatia com essa imagem – pois eram também daí as minhas maiores recordações do Largo do Paço, onde funcionava a Alliance Française quando a frequentei nos inícios dos anos 1970. Aquela era a vista da minha sala de aula!
O Largo do Paço tem depois uma ala nascente a fechá-lo, constituída por dois edifícios. O mais antigo, do século XVI, foi mandado construir pelo arcebispo D. Manuel de Sousa para funcionar como tribunal e abrigar os cartórios e arquivos eclesiásticos, e situa-se no ângulo interior. Na esquina fica o edifício que D. Rodrigo de Moura Teles mandou erguer para funcionar como casa da guarda.
O Paço foi classificado Imóvel de Interesse Público em 1967. Já as notas de 500 escudos, estas, ditas de Francisco Sanches, deixaram de circular nos inícios dos anos 90.