Fiquei com muita pena de o ter feito e é com muita pena que escrevo hoje sobre esse programa e sobre a realidade nele retratada: a obesidade entre adolescentes.
Não sou nutricionista nem evangelizadora, muito menos quero alimentar alguma falsa esperança: gosto de comer de tudo.
Nos pequenos excertos de apresentação dos concorrentes em jeito de reportagem documental típica do formato reality show, podem acompanhar-se esses mesmos concorrentes a preparar refeições, com o intuito de denunciar subliminarmente um comportamento errado, mas sempre sem apontar o dedo, por causa dessa coisa que agora é muito difícil de gerir, o politicamente correto.
Não me choca ver um prato cuja composição é uma montanha de bifes fritos, e posteriormente regados pela calda de azeite, manteiga e alho onde foram fritos, acompanhados por uma serra de batatas fritas reluzentes e granulosas das pedras de sal adicionadas à posteriori, tendo como vizinho um grande copo de refrigerante bem gelado. Não me choca, porque todos nós sabemos como é delicioso um bom bife com batatas fritas reluzentes e granulosas do sal adicionado à posteriori acompanhado de um belo refrigerante fresquinho; o que me choca é ver que quem está a confecionar esse prato é um adolescente que vive com os pais. Não quero com isto dizer – não me interpretem mal – que não é correto ver um adolescente a cozinhar, muito pelo contrário: o que me causou estranheza foi de facto ver vários adolescentes diferentes a cozinhar autênticos crimes contra a humanidade sob o olhar atento dos pais.
Sim, tem graça ver aquelas fotografias de engenhocas de estudantes universitários que lhes permitem cozinhar pizza ou outras iguarias pré-feitas com as ferramentas disponiveis no quarto da residência e assim provar os seus dotes na arte da sobrevivência. Mas causou-me estranheza ver uma menina, com um discurso maravilhoso e extremamente articulado, verter num recipiente de plástico meia caixa de Chocapic, desfazer de forma grosseira lá para dentro umas bolachas, polvilhar tudo aquilo com abundantes colheradas de sopa de açúcar branco e acrescentar à mistura a quantidade de leite suficiente para empapar tudo aquilo, e perceber no final do excerto de vídeo que o recipiente de plástico era nada mais nada menos do que a tampa de uma caixa de 100 CDs.
Arrepiei-me. Senti naquela mecanização de gestos de conforto (os protagonistas destas receitas confessaram que encontravam conforto nestas refeições) um abandono assustador.
Sendo mãe e estando por esta altura a introduzir quase diariamente novos alimentos na dieta da minha filha, tenho consciência de que é um dever educar o palato da minha filha. Por uma questão de saúde, claro está, mas também por uma questão que passa pela transmissão daquele que é o conjunto de coisas bonitas que uma refeição representa.
Uma amiga galega uma vez disse-me que admirava muito a forma delicada e tão bonita como os portugueses se sentavam à mesa com tudo arranjado e composto, como se estivéssemos sempre em dia de festa.
Não professo todo esse rigor, mas aprecio-o e associo-o a uma noção de conforto e bem estar dignas dos bons tempos em casa dos pais. E como mãe, sinto que educar o palato é um dos grandes trabalhos de Hércules que compõem o ramalhete da educação de uma criança.