Crise irmã

O escocês Charles Esche e a israelita Galit Eilat chegaram a São Paulo, em meados de 2013, para fazer parte da equipa curatorial da 31.ª Bienal de São Paulo – a segunda mais antiga do mundo, a seguir à Bienal de Veneza, que lhe serve de modelo – e logo se viram no meio de…

Tal está também patente em ‘Como (…) coisas que não existem’, a exposição desenvolvida a partir da Bienal de São Paulo que foi quinta-feira inaugurada na Fundação de Serralves, no Porto, e que resultou de quase um ano de trabalho, em que Charles Esche e os israelitas Galit Eilat e Oren Sagiv foram assimilando a realidade portuguesa e o espaço desenhado por Siza Vieira. Apesar de apenas metade das obras serem de artistas brasileiros, fica no ar uma pergunta óbvia: quais são as relações entre a crise brasileira e a portuguesa? Ou será que a forma como as dificuldades são absorvidas evidencia a diferença entre as duas sociedades?

“Não foi fácil compreender a sociedade portuguesa e a influência da crise, desde 2008. Levou-nos tempo a perceber não só o que aconteceu, mas também como as pessoas reagiram. Em Portugal, na Espanha ou na Grécia houve reações diferentes. Não queremos criticar, mas olhar para a experiência no Brasil e relacioná-la com o passado colonial. E olhar para Portugal e fazer perguntas”, explicou ao SOL Galit Eilat, que teve pela frente o desafio de comprimir os cerca de 30.000 m² da Bienal brasileira – considerada uma das três maiores do mundo – em 2.000 m².

Sociedade em agitação

O resultado foi necessariamente distinto e os curadores preferem falar em crítica “social” do que em política (até devido às eleições deste fim de semana), mas é difícil não usar a palavra face a obras como os gigantescos rostos pintados pelo paranaense Éder Oliveira – retirados de suplementos sensacionalistas dedicados ao crime – ou o reaproveitamento que Ana Lira fez dos cartazes e outros materiais de campanha eleitoral alterados pela população, rasgando, pintando ou grafitando. “Encontrámos uma sociedade brasileira em agitação, mudança, protesto. E respondemos a isso procurando artistas sensíveis a essa agonia”, reconhece Charles Esche.

Apesar da importância do eixo São Paulo-Rio de janeiro na arte brasileira, a Bienal acabou por dar, propositadamente, palco a artistas de outras regiões do Brasil, mais livre dos “cânones” da arte contemporânea. “Há novas possibilidades, mais no nordeste e norte do que no sudeste. Quando vemos as pinturas do Éder, elas retratam o sofrimento das pessoas que vivem em Belém. Acho que o faz muito bem, mas se calhar isso é algo que nem toda a gente no meio artístico de São Paulo quer ver”, refere o escocês, que admite que o facto de ser a primeira vez que a bienal sai fora do país trouxe “mais responsabilidade” aos curadores.

E o que nos diz então esta exposição sobre a realidade portuguesa? Os curadores querem envolver a comunidade para encontrar resposta e, por isso, a sala central de Serralves – onde se encontra a instalação Mujawara, uma árvore baobá suspensa, fruto da colaboração entre um grupo brasileiro e outro palestiniano – vai acolher um ciclo de conferências, que arrancam já hoje, às 18h30. No cardápio estão temas como ‘Colonialismo invertido’ ou a ‘Criminalização da pobreza’.