O processo disciplinar intentado a André Carrillo

Para surpresa, ou não, do mundo futebolístico nacional, o Sporting anunciou no passado sábado, através de um extenso comunicado oficial, que instaurou um processo disciplinar a André Carrillo.

Para instauração do referido procedimento disciplinar, a SAD leonina invoca entre outros aspetos que, desde há cerca de um ano e meio, e de forma continuada, foram apresentadas várias propostas, sucessivamente revistas e melhoradas, ficando sucessivamente adiada a negociação por questões de agenda, ora do jogador, ora do seu representante, bem como o abortar pelo jogador de uma eventual transferência para um clube inglês mesmo no final do mercado, na sequência de proposta apresentada pelo seu agente.

Para além destes factos, após o fecho do mercado de transferências, e depois da presença do jogador junto da respetiva seleção nacional, o mesmo regressa e informa a Sporting SAD de que não quer mais jogar pelo SCP e que pretende sair do clube a custo zero. Posteriormente, e após alguns jogos em que o atleta nem sequer é convocado por Jorge Jesus, aparentemente esgotadas quase todas as hipóteses de uma solução consensual, a Sporting SAD assegura uma última reunião que iria ocorrer no passado dia 2 de outubro, às 16h30m, tendo esta, subitamente, sido desconvocada pelo seu agente, alegando que não haveria absolutamente hipótese nenhuma de solução para a situação.

Em conclusão, a Sporting SAD está convicta de que o projeto desportivo com o qual o jogador se encontra comprometido não é o do clube ao qual se encontra vinculado atualmente, decidindo-se, portanto, pela instauração de um processo disciplinar e consequente suspensão imediata do jogador.

Por sua vez, o agente do jogador peruano assumiu uma posição pública e garante que não irá mais sentar-se à mesa para discutir o futuro de Carrillo no Sporting, revelando que o seu atleta "está nervoso e preocupado" e adiantando ainda que o mesmo "sente-se no direito de escolher o seu futuro" depois de perceber que foi alvo de um "tratamento injusto".

Assim, mais uma vez, é preciso, muito sumariamente, esclarecer juridicamente o leitor, sobre alguns dos comportamentos anteriormente explanados.

Em primeiro lugar, nos termos do art. 15º do Contrato Coletivo de Trabalho (CCT) dos Jogadores Profissionais de Futebol, compete aos clubes ou sociedades desportivas exercerem o poder disciplinar sobre os jogadores ao seu serviço.

Somente através do processo disciplinar a entidade empregadora desportiva averigua e decide sobre factos que indiciam comportamentos culposos do trabalhador atleta, violadores dos seus deveres contratuais.

O procedimento disciplinar, contudo, deve exercer-se nos 60 dias subsequentes àquele em que a entidade empregadora teve conhecimento da infração e a execução da eventual sanção disciplinar só poderá ter lugar nos três meses seguintes à decisão.

Durante a vigência do contrato, para além do fundamental dever de boa-fé, que deve reger todo e qualquer vínculo laboral desportivo, é importante esclarecer que nem o clube nem o atleta têm o dever legal de negociar ou apresentar propostas, tendentes à sua eventual renovação.

Todavia, não se confunda a liberdade contratual de negociação conferida a ambas as partes com um comportamento abusivo, de indução da parte contrária que existe vontade em contratar seguida de um comportamento oposto ao inicialmente assumido. Como se sabe, há abuso de direito, na modalidade de "venire contra factum proprium" quando alguém exerce uma posição jurídica em contradição com o comportamento pelo mesmo assumido anteriormente, podendo esta ilegalidade ser relevante, também, do ponto de vista disciplinar. Sem prejuízo desta situação, a ser verdade o teor do aludido comunicado oficial, também me parece ser relevante, do ponto de vista disciplinar, a eventual recusa do jogador peruano em não querer jogar mais pelo SCP e que pretende sair do clube a custo zero.

Contudo, para além do grande problema desta questão, conforme referi no meu artigo de 23/09/2015, ser a produção de prova de que o jogador não pretende renovar, em virtude de já ter um compromisso contratual com outro clube, a verdade é que o presente procedimento disciplinar, no meu entendimento, não vai resolver o problema de fundo, mas sim agudizá-lo.

Não acredito que o Sporting, no desfecho do presente caso, aplique a sanção disciplinar mais gravosa, que constitui o despedimento por justa causa do jogador, permitindo-lhe a recuperação imediata da sua liberdade contratual para poder vincular-se por outro clube, que no fundo, pelos factos anteriormente explanados, traduz o verdadeiro objetivo do atleta, ainda que sobre si, eventualmente, venha a recair o dano colateral de uma ‘desvalorizada’ indemnização pecuniária.

Deste modo, o desfecho deste procedimento disciplinar deverá provavelmente recair numa multa pecuniária, sendo certo que, nos termos do art. 15º nº4 do CCT dos Jogadores Profissionais de Futebol, as multas aplicadas a um jogador por cada infração disciplinar praticada não podem exceder um terço da retribuição mensal e, em cada época, a retribuição correspondente a 30 dias.

No meio disto tudo, sem prejuízo da questão desportiva da não utilização do atleta, a grande questão surge também com a mais do que provável frustração da legítima expetativa que o clube tinha em transacionar o jogador peruano para um outro clube, por um determinado valor, que lhe permitiria auferir um significativo encaixe financeiro.

Porém, esta situação constitui apenas uma mera expetativa jurídica. E como se sabe, no caso presente, a expectativa é um simples esperar, prever ou admitir acontecimento futuro como mais ou menos provável, não possuindo conteúdo jurídico porque a lei não a rodeia de tutela especial, pois não há, por muito que se queira, um direito global à transferência juridicamente exigível.

Face ao exposto, tendo em conta que, como não podia deixar de ser, a Sporting SAD reconhece ao atleta André Carrillo o direito de não querer renovar o contrato de trabalho desportivo em vigor até 30 de junho de 2016, é também inequívoco que aquela expetativa jurídica gora-se, ora pela caducidade do contrato, ora pela cessação por justa causa do jogador que não configuro como provável.

Para concluir, neste lamentável caso ambas as partes têm muito a perder. Por um lado, o clube perde desportiva e financeiramente, pois não conseguirá, como deveria, rentabilizar o investimento realizado. Por outro, o jogador perde pela inatividade desportiva em que se encontra atualmente, mas sobretudo pela péssima imagem que transmite aos potenciais interessados nos seus serviços.

Neste mundo desportivo de super egos, por vezes, ele é o nosso maior inimigo.

*Docente de Direito do Desporto na Universidade