Comecei por ver este prato há largos anos em restaurantes espanhóis, que o traziam como cultura gastronómica castelhana, da América Latina. Agora expandiu-se pelo mundo fora, e também por Portugal, como principal motor da concorrência aos sashimis e sushis. De resto, diz-se que os imigrantes japoneses, quando chegaram ao Peru, em finais do século. XIX, tiveram influência determinante na sua cozinha, especialmente nos peixes.
Embora não cozinhado ao lume, o ceviche, contudo, não é inteiramente cru, mas sim marinado. Apreciado e muito cozinhado em toda a América do sul, considera-se um prato peruano: o Peru assumiu-o como sua principal receita nacional, e ostenta milhares de restaurantes apenas especializados em servi-lo. Está de tal maneira arreigado na cultura gastronómica e orgulho nacional do país, que lhe dedicam um dia especial, o 28 de Junho, véspera de São Pedro. E um dos mais conhecidos geógrafos peruanos, Javier Pulgar Vidal, sustenta mesmo que a raiz da palavra vem do Quíchua siwichi, que significa peixe fresco (lá está: fresco, cru, marinado).
O marinado faz-se numa solução de sumo de lima (ou limão, ou laranja azeda, ou outro cítrico – embora se considere a lima o ideal para lhe dar o gosto pretendido), azeite, cebola, piri-piri ou pimenta, abacate, milho ou a batata-doce (um ‘legume’ para dar mais consistência), salsa e coentros. O molho daqui resultante chama-se leite de tigre. Leite, pela cor esbranquiçada; e tigre por ser também usado no Peru para curar ressacas e dar força.
Estes componentes mostram que a receita, tal como é hoje apresentada, não pode ser muito antiga – porque vários condimentos vieram dos árabes para a Europa (os citrinos, por exemplo), e foram levados depois para a América Latina pelos espanhóis, só no século XVI. Acredita-se que antes o ceviche se fazia ali na mesma, muito antes, com salmorejo (forma de conservar o peixe), sumos de outros frutos (como o curuba, parecido com o maracujá), ou uma bebida fermentada a partir do milho e usada pelos incas. A primeira versão registada do ceviche é do ano 2000 AC, do povo Mochica (ocupava o que é hoje o litoral do Perú), que marinava o peixe precisamente com sumo de tumbo ou curuba.
Essencial é utilizar peixe branco (sem muita gordura, nem músculos encarnados, como o sangacho do atum), mas de carne firme: também se faz com camarão, lagosta ou polvo.
Pode depois servir-se como prato principal ou entrada. Neste caso, no Peru, costuma acompanhar-se com pipocas, bolachas de água e sal, tortilhas mexicanas, batatas fritas ou pão. Como prato principal, pode vir com batatas cozidas (normais ou doces), ou milho cozido. Mas, nos costumes dietéticos modernos, considera-se especialmente saudável quando traz apenas as proteínas do peixe, e evita hidratos de carbono.
Onde comer em Portugal
A Cevicheria, do chefe Kiko Martins (que viajou pelo mundo e bebeu no próprio Peru a essência do prato) abriu muito oportunamente no princípio deste ano, e até apresenta um de cariz muito português (porque seremos o único país que tem como peixe nacional o bacalhau, que vem de águas bem longínquas).
Mas o ceviche virou moda, e há por todo o país muito sítio onde comê-lo. Vamos só dar algumas sugestões, nalguns casos de restaurantes japoneses que o servem também: Qosqo (R. dos Bacalhoeiros, Lisboa), Hokidashi (R. Coelho da Rocha, Lisboa), Este/Oeste (Centro Cultural de Belém, Lisboa), Las Ficheras (R. dos Remolares, Lisboa), By de Wine (R. das Flores, Lisboa), SushiCafé Avenida (R. Barata Salgueiro, Lisboa), Kyoto na Baixa (R. Guilherme Gomes Fernandes, Porto), Frida (R. Adolfo Casais Monteiro, Porto), Dixos Kitchen (R. de Sousa Viterbo, Porto), O Xarroco (R. Heróis de França, Matosinhos) e Egoísta (Casino da Póvoa do Varzim).
Além de Kiko Martins, houve chefes mais conhecidos e mediáticos a tratarem desta receita: Henrique Sá Pessoa, Miguel Castro Silva, Bertílio Gomes e Leonel Pereira.