Aquele frito abafado que nela se faz, com pouca gordura, e muito lentamente, como se fosse num vapor proporcionado pelo hermetismo, pode talvez ser comparado, e com melhores resultados, a alguma maquinaria moderna de cozinha, como as máquinas de baixa temperatura, por exemplo. Ou, de maneira mais óbvia, com a também já relativamente antiga panela de pressão (neste caso, de alta temperatura e grande rapidez), inventada pelo francês Denis Papin e apresentada em 1679.
Usa-se geralmente para mariscos, mas por vezes também para diferentes formas de carne de porco (por exemplo, a ‘à alentejana’, com amêijoas – criada de facto no Algarve, com a promessa de ser feita com porco alentejano, e temperada com um pouco de mariscada, para disfarçar o gosto a peixe dos animais da região, alimentados a farinhas de pescados), cebola, batatas ou outros vegetais – ali colocados em cru.
A cataplana é uma espécie de panela metálica, formada por duas partes côncavas (como se fossem duas panelas) que se encaixam com auxílio de uma dobradiça e normalmente ainda com dois fechos laterais. Originalmente de cobre ou latão, é atualmente fabricada de alumínio, mas frequentemente com um banho de cobre, para lhe dar o aspeto característico deste metal. Existem cataplanas de várias dimensões, de acordo com a quantidade de comida que se pretende preparar, e ainda de aço, por vezes elétricas, que fazem o mesmo trabalho, mas já não têm o formato tradicional.
Das origens da cataplana nada se sabe de rigoroso (não existem registos históricos oficiais sobre a sua criação), para além de ter aparecido primeiro no Algarve (muito antes desta moda de a assumir nacionalmente). Deduz-se por isso que a sua origem está na milenar tajine marroquina – que tem como única diferença ser feita de barro. Portanto, as suspeitas apontam todas para uma origem árabe, e para a ocupação muçulmana do território (entre os séculos VIII e XIII), que acabaria precisamente no Algarve.
A verdade é que, qualquer que seja o material de que é feita (tanto as nacionais cataplanas de cobre, latão ou inox, como as marroquinas tajines de barro), a utilização, e o resultado, são sempre iguais. Talvez se usem hoje mais as de inox, apenas por se encontrarem com maior facilidade, a preços acessíveis, e de limpeza facilitada.
O restaurante Cataplana & Companhia, em Campo de Ourique (R. Ferreira Borges, 193-A) apresenta um apartado da lista dedicado apenas a confeções destas, para todos os gostos: por exemplo, de tamboril, frutos do mar, de bacalhau, garoupa, real (lagosta), tradicional (carne de porco), de coelho à Antiga, ou de perdiz.
Mas, enfim, já alargámos muito a conversa, e o ideal é correr a experimentar as cataplanas na cozinha, e passar pelo desafio de se converter ou rejeitá-las.
De produto artesanal a industrial
A moderna cataplana foi fixada por um artesão Algarvio, de Loulé, nascido em 1927: Ricardo Pinguinha Guerreiro. Foi ele que a tornou mais funcional e hermética – e ao mesmo tempo também apta a servir de pura decoração.
Trabalhava o cobre com apenas um martelo e uma burra (instrumento que se usa para construir as peças) e outros poucos utensílios peculiares. Celebrizou-se a fazer cataplanas, usadas na gastronomia algarvia, os tradicionais alambiques para o fabrico de aguardente e outras peças decorativas diversas.
Aprendeu o ofício com um tio, aos 13 anos – e já se reformou há muito. Embora chegasse a trabalhar neste artesanato, mesmo depois de reformado, consciente de que, depois dele, viriam as máquinas e a indústria.
A verdade é que ainda há poucas décadas, a região era conhecida pelos seus antigos artesão do cobre.
Inicialmente produzidas em zinco, passaram logo para o cobre, que permitia melhor condutividade do calor por toda a cataplana, além de dar um sabor especial único aos cozinhados. Não é por acaso que o uso culinário do cobre é já milenar, e vem de civilizações como a dos Sumérios, Egípcios, Babilónicos, Fenícios, Romanos e Árabes.
Hoje, por todo o país, apresentam-nas em alumínio.