BD: Jim Tónico, o mais trapalhão aventureiro da selva está de volta

O mais trapalhão aventureiro da selva está de volta pelo traço dos autores que há 30 anos lhe deram vida. Jim del Monaco regressa num conjunto de novas aventuras, com o humor de sempre, com desenhos de Luís Louro e argumento de Tozé Simões.

Jim, Gina e Tião regressam ao coração de África após anos de ausência. Gina queixa-se, após presumíveis quilómetros de caminhada na selva: «Jim del Monaco! És um torcionário. Estou cansada, não posso mais…». Assim começa uma das séries de culto da BD portuguesa, Jim del Monaco. A primeira tira, publicada a 12 de outubro de 1985 no suplemento Sábado Popular, do extinto Diário Popular, dava logo todos os elementos de que precisávamos para conhecer o que aí vinha: um aventureiro tão pomposo quanto desastrado, uma caricatura de destemidos exploradores da selva; a sua companheira, Gina, que praticamente só pensa em sexo, e Tião, o criado africano que é o único com a habilidade e a inteligência suficientes para os safar nas aventuras e desventuras.

Para celebrar a data redonda, os autores, Luís Louro e António José (Tozé) Simões reuniram-se após 22 anos para criar uma nova aventura em álbum, O Cemitério dos Elefantes, um conjunto de histórias que cruzam aquele imaginário do cinema americano de aventuras dos anos 50 com a mitologia africana e valentes piscadelas de olho à atualidade.

Com lançamento marcado para a data precisa dos 30 anos da série, o próximo dia 12, a primeira das pequenas histórias dá logo o mote: os Stalking Dead (paródia a uma série de zombies que dispensa apresentações) são uma espécie de mortos-vivos tarados que perseguem as mulheres de uma tribo recôndita. A causa de tais desejos sexuais incontroláveis são os Biloko, pequenos demónios que infetam as mulheres, que por sua vez vão contagiar os homens da tribo. E a solução está numa vacina, criada por um certo dr. Strangelove…

Se no mesmo saco e em poucas páginas podemos incluir zombies, uma personagem de Kubrick e os três protagonistas da série de uma assentada, temos o velho Jim de volta. «As nossas referências sempre andaram à volta do cinema, de séries de TV, de notícias», desvenda Luís Louro. «Além disso, tenho sempre um amigo caricaturado nas histórias e personagens de outras referências, da Cicciolina ao Stallone».

Rodeado, no seu estúdio/escritório, de imagens da sua autoria, coleções de bonecos que reproduzem personagens de BD – das suas e dos outros – Louro confessa que há muito se sentia «farto» das histórias aos quadradinhos. Jim del Monaco não conhecia uma história nova desde que Tozé Simões se retirou deste meio criativo em 1993. Louro prosseguiria, com o seu toque indelével, o da cor inconfundível, com novas personagens marcantes, anos 90 adentro e no início do século XXI: O Corvo, Alice, Coração de Papel… E desde 2007, com uma história de O Corvo a meias entre o seu traço e o argumento de Nuno Markl, nada mais tinha aparecido com a sua assinatura.

Mas um dia, numa entrevista que concedeu, foi-lhe lembrado que a mítica personagem de finais dos anos 80 estava prestes a entrar para a seleta lista de efemérides dos objetos de culto nacionais. No ano passado, Tozé Simões, que entretanto tinha remetido a sua criatividade às catacumbas da banca e da gestão empresarial, ligou-lhe a lembrar do explorador desajeitado das selvas, da sua amante fogosa e do seu criado. Não só Jim del Monaco fazia 30 anos como os seus autores completavam meio século de vida.

Louro pôs uma imagem no Facebook, assim como quem não quer a coisa, a chamar a atenção para o que aí vinha. «Foi a loucura total. Toda a gente começou a dizer que o Luís Louro estava de volta», ri-se. Sempre jovial, confessa que não tinha a mínima vontade de voltar a desenhar e já praticamente não o fazia. A fotografia, que o levou a três continentes – incluindo, ironicamente, às selvas africanas de Jim – tomou-lhe conta dos interesses entretanto.

Tozé Simões estava ainda mais arredado das histórias do galã trapalhão da selva, ou mesmo de qualquer outra. Aquela loucura viral do Facebook foi apenas um dos ingredientes que o empurraram, também a ele, de volta a Jim: «De início não era para ser nada disto. Ah, e tal, 30 anos da data da primeira publicação; nós até vamos fazer 50 anos de idade; o universo parecia conspirar, a meias com a família» para que voltassem. Ainda pensaram «fazer um álbum de revisitação, com muitos materiais raros, curiosidades, fotografias, convidados. De repente… e se fizéssemos só uma historiazita, hein?».

A historiazita, lembra Luís Louro, beneficiou das novas tecnologias. Além de não ter de refazer material que não lhe interessasse à mão – o Photoshop dá uma grande mãozinha nestas tarefas – mensagens para cá, mensagens para lá, as coisas começaram a tomar forma em dezembro do ano passado e acabaram por estar concluídas várias histórias em março deste ano. «Foi como se nunca tivéssemos parado algures em 93», diz Simões. «Aliás, dizem que as boas amizades são aquelas que retomam uma conversa precisamente no sítio onde ela foi interrompida, ainda que tenham passado 30 anos».

Louro e Simões já se conheciam desde os tempos do 7.º ano. Nunca foram, nem um nem outro, daqueles ávidos ratos de bedeteca que sabiam com precisão a sequência de uma vinheta de O Príncipe Valente de 1942. Pelo contrário. Partilhavam apenas «o gosto de desenhar e o gosto de escrever», diz Simões. A primeira história, recorda o argumentista, «era uma coisa meio pomposa, que tinha o Império Romano por tema» e que «felizmente esse trabalho jaz morto e arrefece algures».

Mas viriam outras personagens e aventuras, a fazerem olhinhos à ficção científica. Até que, andavam ambos na casa dos 20, Luís Louro comprou um exemplar da mítica revista de BD O Mosquito, onde vinha uma história do Jim das Selvas de Alex Raymond, um clássico. Tinham ido já a um festival de BD em Barcelona e ficaram «caidinhos», admite Simões, «pela ‘linea clara’ de Daniel Torres e outros».

Tudo conjugado, nascia um ‘Jim’ em homenagem a Raymond. Mas faltava-lhe um apelido sonante. «Até que um dia, enquanto esperava uma namoradita no terminal de Cacilhas», recorda Simões, «passa um tipo com uma daquelas camisolas do futebol americano com del Monaco inscrito atrás. E zás! Colou imediatamente…».

A origem de Gina remete-nos a um imaginário, digamos, mais subterrâneo dos anos 80: «tenho a impressão que recolheu a sua inspiração numas certas revistas ‘proibidas’ que à época faziam a vergonha (quando se ia comprar a revista) e a delícia de todos os adolescentes». E só falta o Tião. Para ele, a explicação do argumentista é mais simples: «Foi uma necessidade. Perante tão desastrado par de protagonistas, alguém tinha de resolver as coisas. Ele é a inversão do estereótipo do criado africano da época».

E agora, podemos aguardar por mais um álbum de aventuras de Jim? Luís Louro responde de um salto, mostrando novos esboços já feitos, à mão, e guardados religiosamente numa pastinha. E mais não adianta. Simões também deixa uma pista ténue sobre a possibilidade do (anti)herói voltar às pranchas. «Há pouco tempo, o meu filho mais novo, ao ouvir atentamente uma conversa entre mim e um amigo acerca dos pormenores macabros de um trágico falecimento ocorrido o ano passado, no final perguntou-me: ‘Ele tá morto, ainda?’. Acho que, para mim, o Jim del Monaco nunca esteve morto ainda». l

ricardo.nabais@sol.pt