A mulher do jogo

De olhos postos no tapete rolante do aeroporto Amílcar Cabral, na ilha do Sal, em Cabo Verde, Joana Soares aguarda expectante a sua mala. Ainda há menos de quatro meses, quando viajava de Baku para Barcelona (onde vive há quatro anos) perderam-lhe todos os seus pertences. Já em 2013, quando esteve quase dois meses no…

Numa arena que reuniu 3900 espetadores, mostrou também que esta modalidade pode estar a menos viagens dos Jogos Olímpicos do que se imagina. E nem uma eventual distância costeira se afigura como problema. “É possível organizar torneios em cidades que têm praia mas também em países que não têm. Construímos o estádio, transportamos a areia – que é tratada, tem drenagem, no caso de chover, e é lhe retirada conchas e pedras – e organizamos os jogos, seja na gestão da competição, em termos de marketing, na promoção do evento nos média, também trazemos fotógrafos profissionais… Acima de tudo, trazemos a nossa experiência porque somos uma empresa que organiza jogos desde 1998 e já vimos de tudo, a nível de meteorologia, de desafios… O pior cenário é termos vento muito forte, chuva também não é ideal, principalmente porque afasta os espetadores. Mas o pior cenário é mesmo um estádio vazio”. Um cenário que ainda não encontrou pelos países por onde andou: do Qatar ao Dubai, do Tahiti à Estónia, sem esquecer a Suécia, a Alemanha ou a Itália, entre muitos outros.

De Santiago do Cacém a Barcelona

Com energia que sobrasse desde criança, Joana quis experimentar todos os desportos que estavam ao seu alcance: fez natação, equitação, ginástica e judo. Pelo meio sonhava ser hospedeira de bordo. Já mais crescida, influenciada certamente por séries policiais, jurava que a anatomia patológica era o seu futuro. Seguiu ciências mas, à última hora, foi para Direito na Universidade Nova de Lisboa. “E desde o primeiro ano decidi que iria seguir Direito Desportivo”. Ainda tentou convencer os pais a integrar o programa Erasmus (de mobilidade de estudantes dentro da Europa). Não conseguiu, mas acordou que o mestrado seria feito no estrangeiro.

Durante o curso, foi árbitro de futebol de 11 mas passado o primeiro ano desistiu: “Era demasiado duro, com muitas críticas. A verdade é que não tive contacto com o futebol de praia até trabalhar para a BSWW. Tive uma experiência com basquetebol, com futsal, mas o meu desporto é, sem dúvida, o futebol de praia. O prazer que temos em desenvolver um desporto que ainda é muito jovem é algo que não se consegue ter no futebol ou no basquetebol”, destaca.

Em 2012 rumou a Espanha, não afastada pela crise como muitos jovens da sua idade mas por que tinha um plano e uma paixão. O plano era fazer o Mestrado em Direito Desportivo na Universitat de Lleida, a paixão era elevar o futebol de praia a outro patamar. “A minha tese de mestrado (2012 – 2014) foi sobre o código disciplinário do futebol de praia que até então era uma adaptação do futebol de 11. Ora este código tem uma influência muito importante no jogo porque estabelece as sanções às infrações ao código disciplinário. Somos nós que decidimos quantos jogos um jogador que agride outro fica sem jogar, por exemplo. E é isto que às vezes define quem ganha e quem perde, apesar de ser a consequência do comportamento dos jogadores. A minha tese de mestrado incidiu muito sobre este tema, aliás eu propus o código disciplinário do futebol de praia na minha tese e ele foi aprovado e aplicado pela FIFA”.

Por isso, não é de estranhar que muito do seu tempo seja hoje também a ver e a rever jogos para validar (ou não) juridicamente as sanções aplicadas. Mas a rotina é bem mais ampla do que isso. Na sede da BSWW, em Barcelona, onde trabalham 18 pessoas de sete nacionalidades diferentes, Joana (a única portuguesa) esteve na organização dos dois maiores eventos de futebol de praia: os dois Campeonato do Mundo, em 2013 no Tahiti, e em 2015, em Portugal (onde a equipa das quinas, sob a batuta do selecionador Mário Narciso se sagrou campeã). Em 2017, o evento repete-se nas Bahamas e Joana estará igualmente lá a defender o futebol de praia. “São eventos para os quais começamos a trabalhar aproximadamente um ano e meio antes”, garante.

Para já, dedica-se à organização do Beach Soccer International Cup que decorre no Dubai já a partir de 7 de novembro. “Nesse evento vamos organizar também um seminário – o FIFA Beach Soccer Workshop – e uma cerimónia de entrega de prémios – Beach Soccer Stars Night. E eu estou afeta à parte de hospitalidade VIP e de todo o protocolo destes eventos. Desde o convite, à viagem e acomodação dos convidados, à sua receção e acompanhamento”. Uma tarefa que parece megalómana mas que Joana descreve com um sorriso.

Além disso, em todas as competições em que participa há sempre uma componente solidária e de envolvimento com a comunidade. “Há sempre coisas que fazemos: jogos com crianças desfavorecidas, por exemplo. A experiência de poderem jogar uma manhã com jogadores internacionais e ainda receberem uma t-shirt ou uma bola é inacreditável. Às vezes também montamos o estádio uns dias ou deixamo-lo montado até umas semanas mais tarde para aí promover futebol feminino ou futebol a nível amador. Deixamos o campo, as balizas, as bolas e também o gosto pelo futebol de praia, pelo desporto”. E sublinha: “nós temos por princípio nunca cobrar um bilhete para ver futebol de praia. Para nós, o futebol de praia tem que ser gratuito”.

Na ilha do Sal

Já passava da meia-noite quando Joana aterrou em Cabo Verde. Chegou como convidada daquele que seria o primeiro torneio da ilha. O evento – que decorreu entre 25 e 27 de Setembro – trouxe ao Sal uma verdadeira equipa de estrelas. Além do selecionador Mário Narciso, campeão da Europa e do Mundo, vieram Carlos e Pedro Xavier, Vítor Baía, Dani, Fernando Mendes, Filipe Gaidão, Kaika, Futre e Mário Jorge. A equipa lusa confrontou-se amigavelmente com as equipas de Pu Britto, de Lúcio Antunes e de Calu da Ângela, todas compostas por jogadores cabo-verdianos de futebol de 11.

“O meu trabalho também é mostrar às figuras relevantes, a quem tem o poder, que o nosso deporto vale a pena. E por isso fazemos site inspections para ver onde é que é melhor organizar um torneio. Em relação a Cabo Verde o meu relatório é bastante positivo pelo envolvimento das pessoas que importam e que são relevantes para construir um estádio: que é o município, os organismos de turismo e os hotéis. E todos eles estão extremamente empenhados em trazer um evento aqui. Ora quando há tanta vontade e quando a resposta das pessoas foi tão boa – eu fiquei completamente surpreendida pela quantidade de pessoas que estavam a assistir a um treino e na final foram mais de 2500 – temos todos os ingredientes para termos um evento profissional, um evento com as melhores equipas do mundo, sem dúvida. Claro que não podemos ser demasiado sonhadores e trazer 16 equipas a um país que se está a estrear mas por algum lado se há-de começar e há formatos muito interessantes – como o do Mundialito – que já provaram que podem ter muito êxito e temos a certeza que se pode e se vai fazer aqui”.

patricia.cintra@sol.pt