"À semelhança do que acontece em todos os serviços do mundo, as informações são recolhidas tendo em conta as prioridades definidas. Neste caso não foram as prioridades, mas um pedido pessoal feito ao dr. Silva Carvalho", explicou Júlio Pereira, respondendo na qualidade de testemunha no julgamento, que decorre no Campus de Justiça de Lisboa.
Questionado sobre a ética desse procedimento de Silva Carvalho, que dirigira o SIED (Serviço de Informações Estratégicas de Defesa), respondeu que era o mesmo que "analisar algo para uma pessoa com quem se vai casar". Isto numa alusão ao facto de Silva Carvalho estar já então a "negociar" a sua saída do SIED para a Ongoing.
Júlio Pereira afirmou também ao Tribunal que considera não haver justificacão para o pedido de investigacão do empresário madeirense Humberto Jardim – uma investigacão feita já após a saída de Silva Carvalho das ‘secretas’, mas a pedido deste. "Havia uma amizade com João Luís (funcionário do SIED, também arguido) e era aquela facilidade".
Quanto às informações recolhidas pelo SIED sobre um porto grego relacionado com un investimento que a Ongoing pretendia fazer, Júlio Pereira disse que até poderia ter interesse: "Vamos supor que não aconteceu nada daquilo que a gente sabe e o dr. Silva Carvalho ainda estava nos serviços. Este investimento de 300 milhões de uma empresa portuguesa poderia até ser prioridade".
O chefe máximo das ‘secretas’ portuguesas desvalorizou ainda a publicacão pelos media do manual dos espiões, dizendo que já desde os anos 90 que há fugas de informação, algumas das quais sobre a estrutura interna dos serviços. Ainda assim, disse que a maioria é sobre fait divers.
Não foi informado do pedido de faturação de jornalista
Perante os juízes, Júlio Pereira esclareceu nunca ter tido acesso à faturação detalhada do ex-jornalista do Público Nuno Simas e adiantou que Silva Carvalho também nunca lhe referiu ter pedido acesso a esses dados.
E disse mesmo que tal ato não pode, por lei, ser justificado com o facto de o jornalista ter noticiado informações internas das ‘secretas’. Garante ainda só ter tido conhecimento mais tarde das notícias do Público, que davam conta de problemas internos, uma vez que estava de férias quando as mesmas foram tornadas públicas.
O caso
Este processo tem como arguidos Jorge Silva Carvalho, o presidente da Ongoing, Nuno Vasconcellos, dois agentes do SIED e uma antiga funcionária da Optimus. Em causa estão os crimes de acesso ilegítimo a dados pessoais, abuso de poder, violação do segredo de Estado e corrupção ativa e passiva para ato ilícito.
O Ministério Público (MP) sustenta que Nuno Vasconcellos contratou Silva Carvalho para os quadros da empresa para conseguir informações secretas. Segundo o MP, a arguida Gisela Teixeira, ex-funcionária da Optimus, entrou indevidamente nos dados de comunicações do jornalista Nuno Simas, em 2010. O jornalista tinha noticiado a existência de uma tensão interna no SIED.