Na verdade, levantar uma torre de dez andares em plena praça da feira de uma vila de casario térreo, onde as maiores audácias arquitetónicas eram as fábricas têxteis que a cingiam, não podia deixar ninguém indiferente.
Tanto mais que a torre não apresentava janelas nem andares, apenas quatro fachadas cegas revestidas a azulejos, que ostentavam enormes desenhos vagamente figurativos e grande influência abstrata, longe das representações naturalistas com que a população estava mais familiarizada.
Lembro-me do espanto e excitação que a vista daquelas figuras a preto e branco levantadas ao céu causava, nesses tempos em que Portugal ainda não era um país de auto-estradas e uma ida até ao Porto obrigava a passar pelo centro de Famalicão. Era como um grito de modernidade a rasgar a paisagem minhota e o seu simbolismo devoto.
Não admira, pois, que as vozes populares começassem a comentar as mulheres nuas que viam, distorcidas, nos traços abstratos dos azulejos e que o escândalo tomasse forma.
A ponto tal que o seu autor – Charters de Almeida, um então apreciado jovem escultor modernista – teve de vir à liça, com as memórias descritivas, explicar que o que estava ali não tinha nada a ver, nem remotamente, com indecências de corpos pelados. Era coisa séria, no espírito dos objetivos de fomento da cultura e de apoio aos mais carenciados que presidiam à criação da Fundação.
Os painéis representavam antes uma exaltação da educação e das artes plásticas e os fins altruístas referenciados no humanismo e na entreajuda. Eram essas as premissas com que o visionário Artur Cupertino de Miranda, banqueiro famalicense fundador do Banco Português do Atlântico, quisera deixar obra na terra, criando a Fundação com o seu nome em 1963.
A sede, uma torre de estrutura helicoidal com traço do arquiteto João Castelo Branco, só começou a ser construída em 1967, tendo sido inaugurada em 1972. E ainda hoje é um edifício emblemático da já cidade de Famalicão. Não só pela originalidade da sua estrutura e revestimento mas também pelas características arquitetónicas e decorativas típicas do modernismo de transição dos anos 60 para os 70, que se mantêm intactas na sua pureza de formas e de materiais.
Conforme vontade do fundador, o edifício alberga, do segundo ao sexto andar, um museu com acervo iniciado na sua coleção pessoal de quadros – onde se destaca o tríptico A Vida, de António Carneiro, uma obra-prima do simbolismo – e aumentado com a coleção particular do seu genro, engenheiro João Meireles, que lhe doou um conjunto significativo de obras, especialmente de autores ligados ao surrealismo.
E que, enriquecido com as coleções doadas por Cruzeiro Seixas, Mário Cesariny, Eurico Gonçalves e Fernando Lemos, constitui já o mais importante museu do surrealismo português e um dos mais interessantes museus de arte contemporânea em Portugal.